quarta-feira, 30 de março de 2011

Jair Bolsonaro e a liberdade de expressão


Resolvi escrever sobre a questão que envolveu o deputado federal Jair Bolsonaro, do PP do Rio de Janeiro, e a Preta Gil.
Para quem não sabe do que estou falando, trata-se de declarações prestadas pelo sempre lamentável Bolsonaro no quadro “O povo quer saber” do programa CQC. Nesse programa, a Preta Gil perguntou o que ele faria se o filho dele estivesse apaixonado por uma negra. O nobre deputado não hesitou e disparou as seguintes palavras: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram no ambiente como o lamentavelmente é o seu”.
Quem quiser assistir o vídeo, aqui vai o link: http://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk.
Posteriormente, o deputado voltou atrás e disse que não havia entendido a pergunta da Preta, achando que ela havia questionado o que ele faria se soubesse que o filho estivesse apaixonado por um gay.
Não gosto do Bolsonaro, nunca gostei. Seja como homem, seja como político, ele representa o que há de pior na espécie humana. Contudo, assisti à entrevista e acho que ele não entendeu mesmo a pergunta da Preta. Isso, todavia, não o livra da manifestação homofóbica, essa sem dúvida presente em seu discurso.
Em função de suas declarações desastradas, aparentemente alguns deputados federais assinaram representação contra o Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar por conta do teor racista da declaração (que entendo ter decorrido de confusão do deputado).
Discordo. Parlamentares gozam de imunidade material prevista na Constituição Federal, sendo invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Ainda que certas declarações sejam deploráveis, considero perigosas, apenas pelo mau uso da prerrogativa constitucional por alguns, essas tentativas de cercear a plena liberdade parlamentar de livre manifestação do pensamento.
Sobre liberdade de opinião, e não somente dos parlamentares, é sempre bom lembrar Voltaire: "Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las".
Pode-se argumentar que a liberdade de opinião não pode significar a possibilidade de validação de manifestações preconceituosas. Entretanto, entendo que a mera expressão da opinião não a valida, não a torna verdadeira ou razoável. E há um ganho com a exposição: somente através dela é que se torna possível oferecer um argumento de contrariedade dialética.
Ademais, se aceitarmos que alguns assuntos não podem ser externados, quem vai determinar quais assuntos podem ou não ser assumidos ou se determinada opinião é ou não preconceituosa?
Esse é o perigo de podarmos a plena liberdade de opinião. Hoje alguém vai ter o poder de dizer que falar mal de minorias é preconceito. Amanhã, um outro com o mesmo poder vai afirmar que não pode falar mal do poder estabelecido.
É razão suficiente para que ninguém seja punido por suas opiniões. Punição deve envolver somente ações.
Não defendo, aqui, a liberdade para ofender. Ofensa pessoal é crime capitulado no Código Penal (injúria, difamação e calúnia). Falo exclusivamente em liberdade de opinião, principalmente para os parlamentares.
Não é saudável para a sociedade a proibição da discussão desse ou daquele assunto, desde que o assunto não seja fulanizado. Primeiro, porque creio que é do confronto de ideias, da dialética, que surgem os avanços do pensamento humano. Segundo, porque a criação de assuntos tabus certamente ocorrerá de cima para baixo, o que, além de não ser democrático, implicará a concessão de poder a alguém de definição quanto ao que é ou não tabu.
A criação de tabus enrijece as discussões e dissemina o obscurantismo ao não permitir a diversidade de opinião. O contraponto a qualquer pensamento deve se dar a partir da apresentação de opinião contrária e não através da vedação de exposição de ideias que sejam discordantes daquelas acolhidas pelo ambiente estabelecido.
Especificamente em relação à homossexualidade, apenas como exemplo, digo que, embora a opção sexual individual deva ser pacificamente aceita por todos, porque é subjetiva e pertence ao âmbito da liberdade da pessoa, creio que o tema "homossexualidade", como qualquer outro, possa ser objeto de opiniões conflitantes. A prática preconceituosa, a ação discriminativa, é que deve ser vedada.
Não deve haver restrição de liberdade, inclusive a de opinião, desde que essa liberdade não acarrete lesão direta a uma específica pessoa.
Claro que se pode dizer que uma determinada opinião genérica sobre um assunto é capaz de atingir o sentimento íntimo da pessoa, mas, sendo essa a hipótese, essa lesão íntima é tão abstrata e rarefeita que, tão subjetiva, que não deve implicar redução da liberdade, sob pena de suscetibilidades individuais emperrarem a capacidade humana de pensar e expor sua conclusões. Caso contrário, pode-se começar a pensar em destruir quadros do Picasso, como o Casal Copulando, ou livros do Richard Dawkins, sobre ateísmo, sob a mera alegação de abalo moral.

Discordo de tudo que foi dito pelo deputado linha-dura, todavia defendo que ele tenha o direito de dizê-lo.

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