Após
essa tragédia lamentável de Realengo, há pessoas que se apegaram à
ideia de que, tivesse a Lei de Desarmamento sido aprovada, a
tragédia teria sido evitada. Com isso, criticam aqueles que votaram pela
possibilidade legal de aquisição de armas.
O
raciocínio é incorreto. A Lei do Desarmamento, se aprovada,
absolutamente em nada mudaria a possibilidade de ocorrência de
tragédias como essa. Armas ilegais não são somente as obtidas
através de roubo ou furto das legais, mas também através de
contrabando. Ou seja, o lunático poderia obter uma arma importada
ilegalmente.
É
um tanto desanimador verificar que grande parte das pessoas não vê
mal nenhum em ser eternamente tutelada, como crianças, pelo Estado.
Isso pode, aquilo não pode, como se as proibições fossem capazes
de impedir comportamentos. Quem pensa assim, deve imaginar que no
Brasil ninguém consome drogas, afinal a venda delas é proibida. A
proibição, pelo contrário, provavelmente provoca aumento do
consumo, talves até com mais entusiasmo. Certamente a proibição
torna o comércio de drogas mais lucrativo.
Proibições
de comportamento em geral são inócuas e provocadoras de ainda maior
violência. A proibição do uso de drogas, por exemplo, incentiva o
contrabando e o roubo de armas. Aqui sim, percebo uma fonte de
estímulo à violência e uso de armas muito maior que o desarmamento
dos cidadãos de bem
A
venda de armas no Brasil, na prática, é proibida. São pouquíssimas
as pessoas que conseguem, legalmente, adquiri-las. Sendo assim, não
basta é o fato da proibição de venda de armas para evitar
tragédias. O mercado negro continuaria a abastecer os psicopatas ou
lunáticos.
Não
cabe qualquer crítica às pessoas que votaram a favor da lei do
desarmamento. Pelo contrário, merecem simpatia. Primeiro, porque é
direito de qualquer pessoa afirmar a sua inclinação política sobre
determinado assunto, e segundo, revela-se mais admirável ser contra
as armas do que a favor, porque quem é contra demonstra
inequivocamente ser da paz e contra a violência.
Quem
votou contra, porém, tampouco é merecedora de antipatia.
De
fato, existindo uma legislação que restrinja fortemente a compra e
o uso de armas, como a brasileira, isso é suficiente. Pertence ao
domínio da individualidade a decisão pela comprar ou não, desde
que preencha os requisitos exigidos por lei.
Os
acidentes de trânsito, por exemplo, matam milhões de pessoas por
ano, assim como morrem milhões de fumantes e alcoólatras. Não
creio que sejam muitos os que defendam a proibição do comércio de
cigarros, carros e bebidas alcoólicas.
O
posicionamento contra a proibição das armas é apenas um dos
aspectos de uma inclinação maior pela liberdade individual
responsável. O Estado não deve se imiscuir na vida das pessoas onde
não exista absolutamente um risco direto e imediato ao bem estar
social e do próximo.
Tratam-se
de conceitos de difícil definição e são bastante subjetivos. É
possível, ainda assim, limitar a proibição estatal ao âmbito da
ação violadora da integridade física do outro, ainda que
potencial. Dentro dessa perspectiva, inexiste razão para a proibição
do consumo de drogas, do casamento homossexual, da prostituição e
de qualquer outro comportamento humano que diga respeito apenas à
esfera íntima privada do indivíduo, inclusive a plena liberdade de
opinião, mesmo as abjetas.
O
limite do direito à opinião é a argumentação teórica, não
cabendo passar à ação.
Por
conta de um difuso sentimento de insegurança, a sociedade humana vem
transferindo ao Estado o poder de cercear suas liberdades, sem razão
ou contrapartida que justifique esse “aprisionamento” espontâneo.
É emblemático disso o que o medo do terrorismo provocou nos EUA.
No
mundo todo, atos de terrorismo matam talvez menos de quatro mil
pessoas por ano. Quatro mil mortes é um número significativo, mas
ainda assim constitui um número bem inexpressivo se comparado às
mortes provocadas pelo fumo ou pelo álcool. Acidentes de trânsito
matam milhões por ano e, mesmo assim, é percentualmente
insignificante perto da população mundial.
Todavia,
por conta do 11/09, um ato isolado na História, o Estado americano
decretou uma redução inacreditável nas liberdades individuais,
arrogando-se o direito de prender sem justificativa por tempo
indeterminado, violar as comunicações pessoais por qualquer meio
(inclusive internet) e outras violências contra os direitos da
pessoa. Além disso, passou a travar as “guerras boas”,
realizadas sob o mote de intervenção por questões humanitárias,
como a do Iraque. Tais guerras mataram um número de pessoas
extremamente superior às que ocorreram no World Trade Center e
também mais do que as mortes provocadas pelos regime sanguinário
que motivou a intervenção.
O
problema na aceitação pacífica da interferência do Estado em
nossas vidas é que, uma vez iniciadas as concessões, não se sabe
onde irá parar. O Estado sempre foi um guloso pelo poder. Está
sempre com fome de dirigir a vida dos cidadãos, de controlá-los, de
manipulá-los como fossem marionetes. O objetivo é tornar-se um “big
brother”. De concessão em concessão, constrói-se um arcabouço
jurídico perfeito para um ditador assumir o poder.
Ao
rejeitar a interferência do Estado no direito do indivíduo de
considerar a própria defesa pessoal e de sua família, o cidadão
está dizendo não a outras espécies de interferências menos
polêmicas.
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