domingo, 10 de abril de 2011

A tragédia de Realengo e a lei do desarmamento


Após essa tragédia lamentável de Realengo, há pessoas que se apegaram à ideia de que, tivesse a Lei de Desarmamento sido aprovada, a tragédia teria sido evitada. Com isso, criticam aqueles que votaram pela possibilidade legal de aquisição de armas.
O raciocínio é incorreto. A Lei do Desarmamento, se aprovada, absolutamente em nada mudaria a possibilidade de ocorrência de tragédias como essa. Armas ilegais não são somente as obtidas através de roubo ou furto das legais, mas também através de contrabando. Ou seja, o lunático poderia obter uma arma importada ilegalmente.
É um tanto desanimador verificar que grande parte das pessoas não vê mal nenhum em ser eternamente tutelada, como crianças, pelo Estado. Isso pode, aquilo não pode, como se as proibições fossem capazes de impedir comportamentos. Quem pensa assim, deve imaginar que no Brasil ninguém consome drogas, afinal a venda delas é proibida. A proibição, pelo contrário, provavelmente provoca aumento do consumo, talves até com mais entusiasmo. Certamente a proibição torna o comércio de drogas mais lucrativo.
Proibições de comportamento em geral são inócuas e provocadoras de ainda maior violência. A proibição do uso de drogas, por exemplo, incentiva o contrabando e o roubo de armas. Aqui sim, percebo uma fonte de estímulo à violência e uso de armas muito maior que o desarmamento dos cidadãos de bem
A venda de armas no Brasil, na prática, é proibida. São pouquíssimas as pessoas que conseguem, legalmente, adquiri-las. Sendo assim, não basta é o fato da proibição de venda de armas para evitar tragédias. O mercado negro continuaria a abastecer os psicopatas ou lunáticos.
Não cabe qualquer crítica às pessoas que votaram a favor da lei do desarmamento. Pelo contrário, merecem simpatia. Primeiro, porque é direito de qualquer pessoa afirmar a sua inclinação política sobre determinado assunto, e segundo, revela-se mais admirável ser contra as armas do que a favor, porque quem é contra demonstra inequivocamente ser da paz e contra a violência.
Quem votou contra, porém, tampouco é merecedora de antipatia.
De fato, existindo uma legislação que restrinja fortemente a compra e o uso de armas, como a brasileira, isso é suficiente. Pertence ao domínio da individualidade a decisão pela comprar ou não, desde que preencha os requisitos exigidos por lei.
Os acidentes de trânsito, por exemplo, matam milhões de pessoas por ano, assim como morrem milhões de fumantes e alcoólatras. Não creio que sejam muitos os que defendam a proibição do comércio de cigarros, carros e bebidas alcoólicas.
O posicionamento contra a proibição das armas é apenas um dos aspectos de uma inclinação maior pela liberdade individual responsável. O Estado não deve se imiscuir na vida das pessoas onde não exista absolutamente um risco direto e imediato ao bem estar social e do próximo.
Tratam-se de conceitos de difícil definição e são bastante subjetivos. É possível, ainda assim, limitar a proibição estatal ao âmbito da ação violadora da integridade física do outro, ainda que potencial. Dentro dessa perspectiva, inexiste razão para a proibição do consumo de drogas, do casamento homossexual, da prostituição e de qualquer outro comportamento humano que diga respeito apenas à esfera íntima privada do indivíduo, inclusive a plena liberdade de opinião, mesmo as abjetas.
O limite do direito à opinião é a argumentação teórica, não cabendo passar à ação.
Por conta de um difuso sentimento de insegurança, a sociedade humana vem transferindo ao Estado o poder de cercear suas liberdades, sem razão ou contrapartida que justifique esse “aprisionamento” espontâneo. É emblemático disso o que o medo do terrorismo provocou nos EUA.
No mundo todo, atos de terrorismo matam talvez menos de quatro mil pessoas por ano. Quatro mil mortes é um número significativo, mas ainda assim constitui um número bem inexpressivo se comparado às mortes provocadas pelo fumo ou pelo álcool. Acidentes de trânsito matam milhões por ano e, mesmo assim, é percentualmente insignificante perto da população mundial.
Todavia, por conta do 11/09, um ato isolado na História, o Estado americano decretou uma redução inacreditável nas liberdades individuais, arrogando-se o direito de prender sem justificativa por tempo indeterminado, violar as comunicações pessoais por qualquer meio (inclusive internet) e outras violências contra os direitos da pessoa. Além disso, passou a travar as “guerras boas”, realizadas sob o mote de intervenção por questões humanitárias, como a do Iraque. Tais guerras mataram um número de pessoas extremamente superior às que ocorreram no World Trade Center e também mais do que as mortes provocadas pelos regime sanguinário que motivou a intervenção.
O problema na aceitação pacífica da interferência do Estado em nossas vidas é que, uma vez iniciadas as concessões, não se sabe onde irá parar. O Estado sempre foi um guloso pelo poder. Está sempre com fome de dirigir a vida dos cidadãos, de controlá-los, de manipulá-los como fossem marionetes. O objetivo é tornar-se um “big brother”. De concessão em concessão, constrói-se um arcabouço jurídico perfeito para um ditador assumir o poder.

Ao rejeitar a interferência do Estado no direito do indivíduo de considerar a própria defesa pessoal e de sua família, o cidadão está dizendo não a outras espécies de interferências menos polêmicas.

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