terça-feira, 8 de abril de 2014

Monstro humano



Sou um monstro de fome insaciável. Mato toda vida que encontro mesmo sem fome atual, movido pelo temor de estar faminto amanhã.
Aceito a companhia de outros monstros de minha espécie, mas só para formar um bando que me garanta maior facilidade na exploração do mundo, para auxiliar-me no morticínio das vidas à minha volta.
Ocupo todos os lugares que posso e, para isso, desalojo quem e o que lá se encontrava antes de mim, se necessário, arranco suas raízes, dou fim à sua vida.
Não tenho nenhum outro compromisso com qualquer semelhante, mesmo os que aceitei no meu bando, que não seja o de explorar a sua força em meu favor; quando se torna inútil, abandono-o imediatamente, sem remorsos. As fraquezas alheias somente servem para o meu proveito, para lucrar, para guardar.

Se preciso da água do vizinho e ele reluta em me dar, mato-o e tomo posse da nascente e até da própria terra. A terra existe para me servir.
O que realmente importa para mim é minha sobrevivência e a de minha cria.
O meu altruísmo é uma espécie de egoísmo bumerangue, com intenção de retorno. O amor que demonstro pelas coisas à minha volta, pela humanidade, é disfarce. Na verdade, verbalizo o sentimento dirigido a mim mesmo como se fosse para o outro.
Não tenho pudor em passar por cima de nada em nome de minhas pretensões. Os seres não importam, as ações em meu benefício, sim.
Quando quero algo para mim e necessito do trabalho alheio, minto e digo que é para o bem comum. Sempre dou um jeito de impor sacrifícios aos outros seres que eu mesmo não tenha que suportar.
Se tenho um trabalho a fazer, empurro-o para quem puder, mas não hesito em desfrutar das honras que dele vierem. É para um futuro melhor, digo com a cara mais lavada do mundo.
Faço críticas ferozes a comportamentos dos outros que eu mesmo gosto de praticar.
Minhas pretensas amizades e amores, são meras escadas para o meu futuro.
Meus pronomes prediletos são eu, me, mim, meu e minha. Fora do "eu", "nós" é apenas sinônimo para trabalho em grupo que me interessa, "tu" é um objeto para uma intenção e "eles" são possibilidades de alguma vantagem.
Passo a vida a rondar o mundo, farejando oportunidades, mineirando fragilidades, abusando das ingenuidades, violentando as naturalidades.
Como líder, como chefe, como governante, sempre sou de forte instinto. Sou como um animal qualquer, como um leão, um jacaré.
Esse é o monstro que sou, um monstro humano.

Por definição, eu minto.

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