terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O impeachment passará, Dilma perderá a presidência


Michel Temer enviou “carta confidencial” à presidenta Dilma pretensamente para esclarecer como se comportará em relação ao pedido de impeachment. Após várias linhas de lamúrias infantis e ralas, ele informa, em uma singela frase, o que fará: permanecerá em silêncio obsequioso, com o objetivo de alcançar unidade partidária dentro do PMDB.
Em outras palavras: “Sra. Presidenta Dilma, participarei do golpe e tentarei tomar o poder”.
A carta é histórica. Pela primeira vez uma pessoa pública de importância significativa no cenário político brasileiro tem a coragem de expor publicamente as próprias entranhas fisiológicas ao povo.
Michel Temer, completamente despreocupado com a explicitação de seu caráter, relata à Dilma uma série de frustrações vaidosas e ególatras
advindas da pouca importância que Dilma teria concedido ao valor político que ele julga ter. Afirma, de si próprio, ter sido uma importante peça política deixado num canto esquecido do armário de opções da presidenta. Reclama, sem cerimônia, sem qualquer pudor litúrgico, de indicações políticas fisiológicas suas que, ou não foram acolhidas por Dilma, ou saíram do governo após a reforma ministerial.
É importante lembrar que uma das filhas de Temer é secretária no governo Haddad.
A carta é um esperneio birrento de criança mimada que viu negados, pelos pais, alguns pedidos. E, como toda criança birrenta, a janela da vingança ocorre quando os pais precisam que a criança se comporte de determinada maneira, que faça algo. Nesse momento, a criança, como mula, empaca, chora, se joga no chão e esperneia.
Curiosamente, Temer julga-se uma peça-chave subutilizada na articulação política e na condução da economia, queixando-se de que figuras menores, como Picciani, foram chamadas em lugar dele para resolver conflitos. Todavia, quando chega um momento importante de demonstrar essa auto-alegada força política, prefere afirmar que se manterá neutro, como convém a um presidente de partido que pretende unificar os correligionários. Se a um presidente de partido é conveniente o silêncio, de que forma no passado ele poderia ter sido útil em temas delicados como a oposição aos desmandos de Cunha, que integra a facção, por assim dizer, rebelde de seu partido?
Todo essa criancice inicial relatada na carta, no entanto, é somente para justificar o subjacente: Temer, aos 75 anos de idade e que jamais teve o necessário brilho político para tal, teve um vislumbre da cadeira presidencial à sua frente e a quer, à todo custo, sendo essa a única oportunidade que terá de alcançá-la. Pouco importa se isso manchará a sua biografia, que nem possui tanta magnitude assim, convenhamos. Pouco importa se enfrentará as massas nas ruas, pois ele está testemunhando, com Dilma, que é possível governar contramajoritariamente. Pouco importa passar por canalha para mais de um terço dos eleitores e pela grande maioria dos juristas mais sérios do país. Isso tudo passará, ele sabe.
O que importa é que, nos livros de história, ele será lembrado com um dos presidentes do Brasil. Isso é um elemento do futuro importante para satisfação dos agigantados ego e vaidade, cuja presença em seu espírito a missiva golpista não deixa margem para dúvidas. O que importa é que a caneta de nomeações passará para as suas mãos. Isso é um elemento do presente importante para a satisfação da ambição e da ganância, própria e partidária.
Se essa exposição pública da motivação espúria que move grande parte de nossos políticos é importante, se isso tinha que acontecer um dia, ganha relevo maior que tenha ocorrido justamente com um político que pertence ao PMDB, partido notoriamente conhecido como um ajuntamento de políticos interessados em saquear o capital público, com raras exceções. Partido de cuja pretensa depuração viria a surgir um desmembramento intelectual, o PSDB, que todavia rapidamente se curvou às imposições da genética partidária, inexoráveis, e acabou por superar o partido-pai no que concerne ao pouco caso com o público e com a coisa pública, mais atentos que estão seus políticos aos próprios interesses. Quem sai aos seus, não degenera. PMDB e PSDB são frutos da mesma espécie de política vil que trava o desenvolvimento humano do Brasil. O PMDB ao menos tem a decência de não colocar "social democracia" em seu próprio nome.
A carta de Temer explicita esse móvel, que até então algum pudor ético ainda teimava em deixar na obscuridade, entrevisto apenas nos contornos, nas sinuosidades das atitudes.
Estarão juntos, sem dúvida alguma, no impeachment da Dilma.
É ingenuidade supor que parte do PMDB se manterá fiel à Dilma. Se ocorrer, será com pequena porção de seus integrantes. A maior parte dos peemedebistas votará pela abertura do processo e, depois, pela cassação, pois é da natureza do escorpião picar quem o está salvando.
O PMDB historicamente se aproveita dessas oportunidades. Foi assim com Sarney, foi assim com Itamar e será assim com Temer. É um partido ciente de que não conseguirá a presidência diretamente, em eleições. Assim, não pode se dar ao luxo de perder oportunidades nas quais consiga concorrer à vice-presidência e, conseguindo-a, de trabalhar para defenestrar o presidente eleito e se apropriar do poder. Não será dessa vez que deixará a oportunidade passar.
Engana-se quem pensa que o PMDB do Rio fechará com Dilma. No máximo, manterá as aparências, o discurso falso de apoio, mas, a dimensão da chance real presente já foi avaliada. Trabalharão por Temer. Os peemedebistas cariocas possuem a mesma, talvez pior, natureza escorpiônica inerente ao partido. O Rio de Janeiro é dominado pelo PMDB, com figuras como Picciani, Paulo Melo, Sérgio Cabral, Moreira Franco e outros do mesmo naipe. É preciso ser insano politicamente para dar um voto de confiança ao PMDB do Rio.
Outro ponto importante é quanto ao motivo do impeachment: após a aprovação do processo, a motivação do processo não possui qualquer importância. O impeachment é um julgamento político e não jurídico, os parlamentares não precisam justificar ou fundamentar seus votos. Bastar votar “sim” ou "não" à proposta de impeachment e basta que o “sim” seja maioria.
O que poderia impedir o impeachment seria a demonstração inequívoca de apoios importantes à manutenção do atual governo, seja do povo nas ruas, seja de governos estrangeiros, seja dos formadores de opinião. Essa contrariedade explícita ao golpe poderia impedir todo o processo. Isso não acontecerá.
O povo irá para as ruas dividido. Para cada marcha de apoio ao governo, haverá uma contra. A imprensa, agindo como sempre age, dará mais relevância aos contrários ao governo, minimizará os de apoio.
Os governos estrangeiros mais importantes não se mexerão. Na América do Sul, a argentina acabou de mudar o governo para um mais conservador e que não se arriscará a se comprometer negativamente com um futuro governo igualmente conservador. Os Estados Unidos estão fechados com o golpe, estão na verdade por trás dele, e reconhecerão o novo governo Temer no máximo duas horas após a cassação de Dilma. Os demais governos, França, Alemanha e outros, manterão um silêncio obsequioso após a manifestação americana, lembrando que um possível governo Temer tenderá a ser percebido como mais palatável aos interesses do mercado europeu, já que, desde o advento do PT no governo federal, o Brasil buscou parcerias mais relevantes fora do eixo EUA-Europa, tornando-se um incômodo.
Os formadores de opinião, a nossa grande mídia, está fechada com o impeachment e se manterá assim. Daqui a cinquenta anos, os grandes jornais pedirão perdão aos leitores por mais essa adesão antidemocrática, considerarão que isso encerra o assunto e pronto, acabou. A pequena mídia, por assim dizer, ou seja, os blogueiros e a imprensa de tendência mais à esquerda possuem capacidade de impactação menor. Terão influência na produção de manifestações nas ruas, que todavia, como dito, não serão repercutidas positivamente no Jornal Nacional.
Declarada a cassação, ela não será revista pelo STF, que já demonstrou sua inclinação anti-PT, capitaneada principalmente por Gilmar e seu discípulo Toffoli.
O povo irá para as ruas, será implacavelmente reprimido e, dois ou três meses depois, todos estarão razoavelmente acostumados ao novo presidente Temer, que passará a ser o reverso de Lula e de Dilma: acariciado pela grande mídia e repudiado pela pequena mídia.
Poder e política se divorciaram. Poder, como capacidade de realizar, e política, como capacidade de definir o que realizar, não integram mais o mesmo feixe de atribuições do Estado. O Poder de fato, hoje, está nas mãos do mercado, como bem sabe e declara expressamente o ex-presidente FHC.
O mercado, entendido como a institução que fornece a condição de o dinheiro reproduzir-se a si próprio, disse não ao governo do PT desde lá atrás, quando percebeu que os perdulários petistas gastariam dinheiro, ainda que pouco, com os despossuídos. Isso sinalizava a possibilidade de aumento orçamentário gradual da fatia do orçamento destinada ao social, aos poucos se ampliando em direção ao máximo possível de bem-estar social, situação que os "mercadores" não desejam, não existe nos EUA e já começaram a desmontar na Europa.
O mestre mercado quer o impeachment. Políticos do naipe dos que são abrigados pelo PMDB e por seu filho, o PSDB, atenderão ao pedido do mestre.
Michel Temer é só uma peça dessa engrenagem e nem é a mais importante. Está mais para capacho da cozinha do que para lustre de cristal do salão de bailes. Como constitucionalista que se auto-percebe como importante, como suposto pensador do direito, não deveria se furtar a explicitar opinião contrária à vulgarização de um instituto sério como a cassação do mandato de uma presidente da república eleita democraticamente. A fragilização do instituto, afinal, fragiliza a política e a democracia. Tampouco deveria ceder à vaidade de conseguir um mandato presidencial furtivamente, à base do conluio, da traição e do golpe institucional.
Isso, porém, seria esperar muito de alguém com a herança de Adhemar de Barros e com experiência de tantos anos num partido como o PMDB, onde a virtude não logra sobreviver por muito tempo. Não esperem sentido ético ou seriedade política de Temer ou do PMDB. Eles não a possuem. Sua carta é a confissão do próprio despudor antiético.

As perspectivas, como as percebo, são sombrias.

3 comentários :

  1. Amigo, recebo com muita amargura sua lúcida análise. Mas você não veria uma chance de reversão do processo, se os defensores da normnalidade constitucional radicalizassem em todas as frentes de batalha?

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    1. Oi, Willians. Estou torcendo para estar errado. Sim, há chance de Dilma permanecer. Quem sabe um pouco de lucidez encontre a cabeça dos parlamentares? Abraços.

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  2. Embora concorde inteiramente com sua avaliação, torcerei e agirei para que você esteja totalmente enganado.
    Com nosso engano, ganhará a democracia.

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