segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Súplica aberta, em nome dos despossuídos, ao detentor do verdadeiro poder


Sr. chefe do clã Roberto Marinho, antes de mais nada, deixe-me esclarecer que, a partir da morte do patriarca Roberto Marinho, não se sabe bem quem manda no conglomerado Globo, se é o Roberto Irineu, o João, o José ou outro qualquer oculto do público (Kamel, Schroder, talvez Bonner? Não, o Bonner do "Homer Simpson" não pode ser...), sendo essa a razão que me conduz a direcionar a presente súplica a um indeterminado "chefe do clã", seja quem for.
Sr. chefe do clã, o senhor, claro, não me conhece e, provavelmente, jamais conhecerá. Pertencemos a mundos que jamais se tocam, sequer tangenciam. Parafraseando o famoso livro, sua classe é de Vênus, a minha é de Marte. O senhor é um bilionário, um empresário altamente poderoso, que integra o milésimo superior da população humana e se relaciona com as pessoas mais poderosas do planeta. Basta o seu simples desejo e estará apreciando um Macallan, 1946, baforando um Gurkha Black Dragon ou um Cohiba Behike, enquanto aguarda o prato mais caro pedido no Restaurant Le Meurice, em Paris. Não se surpreenda, não conheço nada disso, pesquisei no São Google, o pai dos descerebrados.
Quanto a mim, integro a fatia de 99% da população brasileira que não possui poder algum, sem qualquer condição de interferir no processo político-econômico brasileiro, nos rumos da nação onde nasci e vivo. Quando bebo, vou de cerveja no restaurante quase pé-sujo aqui perto de casa e, quando quero extrapolar, peço um Red Label e olhe lá. Como única distinção, talvez, do comum do povo, tive a sorte de ter acesso a alguma educação e algum conhecimento. Não por merecimento ou destacado esforço individual, foi sorte mesmo, aquela coisa de estar no lugar certo, na hora certa. No mais, nada mais. Sou simplesmente um dentre os milhões de brasileiros mexilhões, amarrados nas pedras da vida, presos, imóveis, sugando o que o mar trás, quando trás, e assistindo, impotente, essa infindável luta entre o rochedo e o mar, embora ciente de que o mar sempre vence no final, transformando a rocha sólida em areia fina. Não é muito difícil perceber onde o verdadeiro poder reside, basta algum tempo e algum conhecimento. Nessa metáfora um tanto infantil, Sr. chefe do clã, sem dúvida alguma o conglomerado Globo representa o mar, sendo o Brasil o rochedo.
A única coisa que nos resta, a nós desempoderados, de tempos em tempos, é participar desse estelionato democrático chamado eleição, transformados em eleitores, como se isso fosse, efetivamente, sinônimo de democracia... mas, deixemos esse assunto de lado, não é o momento, e vamos ao que interessa.
Dirijo-me à Vossa Senhoria..., não, perdoe-me duplamente. "Vossa Senhoria" é uma forma de tratamento ordinária, dirigível a qualquer pessoa comum, até mesmo, ora, bolas, a mim. Se posso ser tratado por Vossa Senhoria, de forma nenhuma é correto que eu, simples marciano, dirija esse mesmo tratamento aos imensamente poderosos e excelentes venusianos. É como se um membro da ralé ousasse tratar o Rei Sol francês por um informal "você"... o calabouço e a forca certamente o esperariam. É, no mínimo, descortesia equipará-lo a mim. Coloco-me no meu lugar, novamente peço perdão pelo deslize e passo a utilizar o tratamento justo e merecido, inclusive grafando a palavra "chefe" com inicial maiúscula, como deve ser e recomenda o bom senso.
Dirijo-me, agora de forma correta, à Vossa Excelência porque é Vossa Alteza, na condição de dirigente máximo do Grupo O Globo, quem, de fato, domina a política nacional, na condição de empresa de informação mais poderosa do país e uma das mais poderosas do mundo.
É Vossa Decidicência, ao fim e ao cabo, manobrando a puta do seu jornal, quer dizer, perdoe-me, a pauta do seu jornal, que determina os assuntos que os brasileiros discutirão no café da manhã, no almoço, no jantar, na roda de cerveja, no trabalho, na praia, no clube, no puteiro e na igreja.
Claro que as empresas coirmãs possuem uma fatia desse poder, mas não é tão relevante quanto a da Globo, sejamos honestos. Uma reportagem no Jornal Nacional de três minutos põe por terra uma reportagem de dez página na publicação de qualquer uma delas, seja Abril, Estadão, Folha ou qualquer outra. Se a Globo deixar de repercutir, nenhuma notícia ganha dimensão pública nacional ou ingressa na pauta dos assuntos coletivos.
É por isso que me dirijo a Vossa Majestosíssima pessoa: por reconhecer o poder onde ele repousa de fato, submetendo meu rogo a quem pode efetivamente resolver o problema. Trata-se de simples aplicação prática de velha sabedoria popular: para bom entendedor um pingo é letra e manda quem pode, obedece quem tem juízo.
E o que venho humildemente suplicar? Suplico pelos brasileiros, Exmo. Sr. Chefe do clã, esse amontoado indistinto de pessoas que vem consolidando uma identidade nacional há quinhentos anos, um trabalho ainda inacabado e que poucos dirigentes políticos nacionais se deram ao trabalho de incentivar. Talvez um Pedro II, quem sabe um Getúlio ou um JK, certamente Lula. O restante? Governaram estritamente para os ricos e se algum ganho houve para os pobres, foi pouco e acidental.
O povo brasileiro não foge à regra mundial histórica de se constituir majoritariamente por pobres e miseráveis, despossuídos, ignorantes e desempoderados. E de que forma o poderoso conglomerado Globo pode ajudar esse povo? Na verdade não precisa muito. Não há nem necessidade de meter a mão no bolso e reduzir em um centavo sequer a fortuna bilionária do clã Marinho. É sensacional: o clã pode ajudar, e muito, o povo brasileiro e ainda assim permanecer com sua imensa fortuna, com ampla possibilidade até mesmo de ampliá-la.
Mas, como exatamente? A resposta chega a ser engraçada, Exmo. Sr. Chefe do clã, e creio que Vossa Bemhumoricência se rirá muito disso na verdade, se algum senso de humor residir nesse espírito atormentado pelas agruras da riqueza quase sem fim: basta seguir os princípios editoriais do Grupo Globo que se encontram publicados em seu próprio endereço na internet, aqui: http://g1.globo.com/principios-editoriais-do-grupo-globo.html.
Não é cômico, Exmo. Sr. Chefe do Clã? Basta ao Grupo Globo seguir rigorosamente as próprias regras para auxiliar, e muito, os brasileiros.
Então...
A principal regra, Excelentíssimo, é aquela que vem inscrita, nos Princípios Editoriais do Grupo Globo no Item 1 da "Seção I - Os atributos da informação de qualidade", que é a isenção, caracterizada principalmente pelo apartidarismo e ausência de uso de frases na condicional, que vocês exemplificam com o seguinte ensinamento: 'Será dito que “a autoridade disse isso e aquilo”, em vez de “a autoridade teria dito isso e aquilo”'. Num exemplo prático, deveria ser evitada uma manchete assim: "OAS confirma ter realizado obra em apartamento triplex que seria de Lula" ou ainda "Odebrecht teria bancado reforma em sítio utilizado por Lula". São afirmações que violam o código de ética do próprio O Globo.
Meritíssimo Chefe, há isenção plena em manchete que planta, na cabeça do leitor, sem prova concreta, a minhoca de uma suspeita sobre uma figura pública, ainda mais em se tratando de um ex-presidente da República e, principalmente, sobre atos supostamente realizados após sair da presidência? Há um problema de credibilidade que pode pesar contra O Globo: algumas pessoas podem supor que isso não tem a nada a ver com ética e moral, mas sim com evitar a recondução de Lula à presidência em 2018.
Aliás, Malemolente Chefia, vamos e convenhamos, essa coisa do sítio, isso é mesmo notícia? Vamos falar sério um pouquinho? Quantas pessoas comuns possuem amigos que tem sítio ou casa de praia e, assim, usam esses bens por conta de amizade? Sou pessoa comum, ainda assim tenho amigos com propriedades de veraneio em Búzios, em Angra, em Lumiar, em Macaé e outros lugares, sempre a me convidar a utilizá-las, inclusive para arejá-las, porque pouco usadas. Imagine pessoas como Lula ou, sei lá, Fernando Henrique Cardoso, quantos amigos ricos e poderosos fizeram ao longo de seus anos públicos? E outra, Excrescente Pontífice, não sou rico e posso tranquilamente comprar um barco de alumínio de quatro mil reais, ainda que em dez vezes sem juros nas Casas Sergipe, no Conto Trio Sonzão ou nas Lojas Amerdilhanas. Imagine uma pessoa como Lula, que de forma lícita, primeiro, economizou muito dinheiro durante o tempo de presidência, como todo presidente da República (somente idiotas desconhecem que presidentes praticamente não possuem gasto algum). Só aí, no barato, juntou bons dois milhões e meio de reais. Segundo, ganhou muito dinheiro, após sair da presidência, com palestras. Como essa carta é dirigida a V.Exa., pessoa culta e informada, não preciso explicar, como seria imperioso em relação aos ignorantes, que o público é sedento por palestras de pessoas públicas e famosas, sendo comum que ex-presidentes, como FHC, Clinton e até um idiota como Bush, virem palestrantes e ganhem muito dinheiro com isso, o mesmo ocorrendo com ex-atletas famosos, como Bernardinho, empresários de sucesso, BBB's da própria Globo e mesmo ex-camelôs vitoriosos. Dizem as línguas afiadas que o ex-camelô ganha até cem mil reais mensais com palestras, Invejência, veja só. Aliás, quanto um empresário de sucesso como o senhor cobra ou cobraria, Palestrência? 500 mil? Um milhão? Vossa Perfeicência certamente merece. Ainda por baixo, com quatro palestras por mês a cinquenta mil reais cada, que um ex-presidente de um país como o Brasil consegue fácil, fácil, tanto no país, como no exterior (pergunte, Vossa Indagacência, ao FHC quanto ele cobra por palestra) dá mais outro tanto e já chegamos a cinco milhões absolutamente limpos. Não pesquisei isso em nada, estou chutando e muito por baixo, Incredulentíssimo Chefe.
A história do barco de alumínio faz recordar a falácia ridícula de Collor, na eleição de 1989, dizendo que Lula tinha um aparelho "três em um" que elle não tinha, mera empulhação manipulativa da opinião pública. Afinal, se não me falta dinheiro e um amigo me empresta regularmente seu sítio, não terei problema algum em comprar um barquinho para colocar no lago do sítio, onde eu mesmo irei pescar. Posso resgatar o barquinho a hora que eu quiser e posso, em sinal de gratidão, presenteá-lo ao dono do sítio. O resto é má-fé e conversa fiada.
Ainda no tema "assunto tabu" e já resvalando para o apartidarismo afirmado nos Princípios, uma suspeita de que Lula seja o dono oculto de um sítio mediano ou de um apartamento de tamanho e valor também medianos gera imensa polêmica. Por que razão, Parcialentíssimo Chefe, o mesmo não ocorre com o o também ex-presidente FHC, dono confesso de um apartamento em Paris, esse sim, um bem de alto valor, e que, até ontem, dizia que era de um amigo? Até onde se saiba, FHC era um mero professor universitário. De onde vem o dinheiro para aquisição desse bem valioso? Não caberia a O Globo investigar isso com mais vigor, em nome do interesse público?
Também não foi algo estranha, Dormitente Chefe, a ausência de investigação aprofundada de O Globo sobre o helicóptero carregado com 500 quilos de cocaína? Uma apreensão feita em flagrante e sem nenhum culpado? Um helicóptero que pode ser diretamente ligado a um deputado de certo partido e, pelo exercício da mesma suposição condicional comumente utilizada em relação aos políticos do PT, a um senador desse mesmo partido? Não caberia uma machete "Carregado de cocaína, foi apreendido helicóptero do deputado fulano, que seria amigo íntimo do senador sicrano, ambos do partido Tal e qual"? Lembro-me que a expressão "empresário amigo de Lula" foi utilizado um sem-número de vezes em manchetes de primeira página, como se o fato de ser amigo de alguém incriminado fosse, por isso só, uma infração ética ou mesmo um delito.
E mais: o escândalo do Metrô em São Paulo, nas gestões José Serra e Geraldo Alckmin, possivelmente vinculado aos desvios investigados pela Lava-Jato, não teve cobertura e investigação decente, Bicudência, se me permite dizê-lo assim, tão despudoradamente para um fracote como eu. Isso não pode dar a entender, para desonra de O Globo, uma tentativa de acobertar todo e qualquer desvio ético que não tenha alguma vinculação com o PT? Não poderia sugerir, e já me penitencio por sugerir esse despautério, que O Globo objetiva, em última análise, não alavancar o combate à corrupção, mas simplesmente retirar o PT do poder? Escusência, alguém pode acabar dizendo que O Globo possui compromisso com algum partido, digamos, o PSDB, o que ofenderia o que estatuí seus próprios Princípios Editoriais.
Apenas como mais um exemplo de isenção e apartidarismo, Alienência, O Globo, ao publicar reportagens sobre o risco acentuado de faltar água numa das maiores cidades do mundo, São Paulo, com perigo concreto para milhões de vidas, repetidamente atribuiu a culpa a um evento climático, a falta de chuvas num determinado ano, sem relacionar esse risco hídrico à inação do governo estadual realizado por um determinado partido durante décadas e que deixou de realizar um planejamento hídrico prévio apesar de continuamente avisado sobre o perigo. Afinal, Estiagência, como seria possível que um reservatório imenso, como o Sistema Cantareira, com água suficiente para vários anos, tenha esgotado subitamente por uma simples estiagem? Nos anos anteriores não se viu manchete denunciando estiagens e comprometimento do reservatório. Em Nova Iorque, tempos atrás, bastou os reservatórios chegarem à metade para obras imensas serem feitas. Em São Paulo, o nível começou a baixar há uma década, passaram-se anos, o nível chegou à metade e nada, nenhuma obra, apesar dos avisos. Mais alguns anos, baixou para um terço e nada, o tempo passou, baixou ainda mais e nada, chegando ridiculamente ao volume morto e, ainda assim, nada. Mas, para O Globo, a culpa é... da chuva. Pega mal, Esfarrapência... Ainda mais porque, depois, quando os órgãos fiscalizadores, inclusive o Tribunal de Contas do Estado, finalmente culparam a falta de planejamento e inação dos sucessivos governos tucanos, nenhuma grande manchete até agora denunciou isso, o que pode passar a impressão que o eterno governo do PSDB em São Paulo é perfeito. Será esse o seu desejo, Tomatenência? Novamente chamo a atenção: pode dar a entender que O Globo está protegendo o PSDB.
E já que adentrei em tema arriscado, Escorpiência, vou prosseguir. O princípio de isenção de O Globo, que também desautoriza a existência de assuntos tabus, devendo tudo aquilo que for de interesse público, ser publicado, analisado e discutido, também alcança a relação um tanto obscura da Receita Federal com O Globo ou seria, Elevadíssima Chefência, uma exceção à regra? Afinal, trata-se de verdade processual penal que o acusado não é obrigado a produzir prova contra si. Mas, sem querer ofender e sempre ressalvando que O Globo merece a presunção de inocência que a lei dedica a todos (mas que não vem sendo muito respeitada nas manchetes do jornal em relação, exclusivamente, aos políticos de partidos do governo), não é, no mínimo, do interesse do público ser informado sobre um procedimento fiscal que investiga e, no final, responsabiliza a maior empresa de informação do país por sonegação tributária em valor gigantesco? E cujo procedimento fiscal desaparece da Receita Federal pelas mãos de uma Auditora Fiscal? Afinal, por quais motivos uma pessoa que exerce o maior cargo da estrutura fiscal, que teve que estudar exaustivamente para passar num dos concursos públicos mais severos da Administração Pública, iria arriscar o seu emprego? De fato, a servidora acabou sendo exonerada por essa razão. Por que essa pessoa manteria um completo e fiel silêncio a respeito do sumiço do procedimento? Num jornalismo investigativo de verdade, as perguntas a serem feitas seriam: a servidora lucrou ao ser condenada e ao perder um emprego cobiçado?; a quem interessa o seu silêncio?
Outro ponto importante dos Princípios Editoriais de O Globo, quanto à isenção, e que deve ser estritamente cumprido em prol do povo brasileiro, Soberbíssima Cheficência: denúncias feitas em entrevistas por pessoas sem credibilidade, como criminosos, por exemplo, mesmo se identificadas, devem ser exaustivamente investigadas, antes de ser publicadas. Eu não inventei isso... está lá nos Princípio de O Globo.
Exmo. Sr. Chefe, lembro-me perfeitamente das denúncias que estamparam as manchetes do Globo, realizadas por um criminoso condenado, inclusive por calúnia, vindo de Campinas, um tal de Rubnei Quícoli, que depois desdisse tudo em sede judicial. Seria fácil, à época, investigar o meliante, mas O Globo descumpriu seus próprios mandamentos e lançou a suspeita sobre o governo sem qualquer investigação decente.
Aliás, todas as denúncias feitas no âmbito da Operação Lava-Jato estão enquadradas nesse critério impeditivo. Tratam-se de criminosos confessos que delatam para angariar redução da pena e, de quebra, ainda permanecer com parte considerável do butim. Ainda assim, vemos um infindável mar de manchetes contendo "delator disse isso" e "delator disse aquilo", sem qualquer comprovação investigativa e sem que o desdobramento do processo penal, que supostamente deveria apresentar prova concreta do fato delatado, seja publicado pelo O Globo. E, Senhor Superlativíssimo Cheféssimo, um erro não é capaz de desculpar outro. Assim, o fato de um irresponsável divulgar ilicitamente trechos de delações sigilosas, feitas por criminosas, não justifica que O Globo rompa com suas autodeterminações e ponha em perigo a reputação alheia sem realizar um mínimo de investigação.
Dignicentíssimo Senhor Chefe do Clã, ambos sabemos que, historicamente, desde a Grécia clássica, passando por Roma, atravessando a Idade Média e chegando aos nossos dias, os interesses da elite e os da ralé sempre foram antagônicos. Escravidão, servidão feudal, liberalismo contratual pleno da Revolução Industrial e contratos de trabalho modernos, fundados numa disparidade abissal entre os ganhos de capital e os do trabalho, são expressões temporais de uma realidade que se perpetua no tempo e à salvo de qualquer iniciativa política em sentido contrário, a saber, a riqueza extremada e sem sentido de uma parcela absolutamente inexpressiva da população depende da pobreza e da miséria da quase totalidade dos seres humanos. Foi assim no Egito dos farós e continua a ser assim atualmente, momento em que um número extremamente ridículo de tão pequeno, 85 pessoas (em minhas modestas festas reúno mais gente que isso), as mais ricas do mundo (Bill Gates, Carlos Slim et caterva), detêm riqueza superior a de 3,5 bilhões de pessoas, metade do mundo, enquanto que o centésimo superior da população mundial (1%) possui tanta ou mesmo mais riqueza que os 99% restantes.
A vontade e o desejo da elite é, primeiro e acima de tudo, manter o poder a qualquer custo, mesmo se disso depender alguma redução de seu próprio patrimônio. A opção é óbvia e sábia (para ela): mantido o poder, ele próprio será o instrumento de reconstituição do patrimônio em curto prazo, não se esquecendo que dinheiro, em princípio, é apenas um modo de acesso ao poder. Segundo, enriquecer mais e mais, infinitamente se possível. Já a ralé deseja viver com um mínimo de dignidade; basicamente, quer moradia, alimentação, vestuário, saúde e educação. Não é muito, não é mesmo, Vossa Voracidade?
De fato, a ralé quer pouco, quer o mínimo, mas, ainda assim, isso incomoda o desejo de poder e de riqueza ilimitada. A elite fez no passado histórico, faz no presente e tudo fará no futuro para impedir o acesso à dignidade da ralé.
O motivo, Exploracência, nós dois o sabemos bem: uma ralé ignorante e desesperada por sobreviver se submete com mais facilidade; aceita o subemprego e o subssalário ("é o que tem, melhor pegar"); torna-se incapaz de produzir a crítica de distinção entre os interesses públicos em jogo ("se fulano, belo, rico e mais instruído do que eu, diz na televisão e no jornal que isso é melhor para o pobre, então deve ser melhor para mim mesmo"); culpa-se individualmente pelo fracasso pessoal nascido de um modelo coletivo equivocado (o capitalismo com regras especialmente criadas para desregulamentá-lo, ou seja, torná-lo sem regras); adota um visão conformista do mundo, resignando-se com as condições materiais miseráveis que se perpetuam geração após geração ("as coisas são assim mesmo", dizia o escravo e diz, agora, o favelado); não se revolta ao ter ciência de que o salário anual de um colega de trabalho, o superexecutivo, é mil vezes superior ao do operário da mesma empresa e bovinamente enxerga nisso o império de uma falsa meritocracia, sem se dar conta de que isso implica uma degeneração axiológica, qual seja, conferir validade à circunstância de que a vida de um ser humano (pois é disso que se trata - condições de sobrevivência caracterizam e qualificam a vida vivida) seja valorada mil vezes mais do que a de outro ser humano (mesmo pessoas com razoável nível de instrução caem nesse conto do vigário que é legitimar uma meritocracia fundada em pontos de partida desiguais).
Dito isso, Golpecência, deixemos a hipocrisia de lado: ambos sabemos que seus interesses não comungam com os interesses do povo, nunca comungaram e jamais comungarão. Já houve até aquele episódio de pedir desculpas pelo apoio ao golpe militar, coisa de aparências, para historiador ver (e acreditar se for imbecil).
Os interesses de Vossa Riquecência são aqueles que descrevi acima, inerentes a todo e qualquer bilionário: manter o poder e a riqueza. O povo não tem nada a ver com isso e, na verdade, às vezes até atrapalha esse objetivo, como vem atrapalhando nesse momento. Isso não chega a ser um grande problema, pois, como já salientei, trata-se de um povo cuja grande maioria possui pouca instrução e, consequentemente, pouca capacidade crítica. Inocentemente, acreditam que O Globo os defende, que possui jornalistas isentos e independentes de uma linha editorial predefinida por Vossa Engabelocência, que sabe utilizar tal ingenuidade contra o povo, como sempre fizeram os grandes da história.
Ainda que assim seja, suplico a Vossa Santidade, e eis que finalmente surge o motivo dessa súplica aberta, que refreie apenas um pouco essa sua sede insaciável de poder e de riqueza, coisa até natural e previsível em pessoas de sua estirpe e genealogia, deve ser reconhecido. Aqui dou uma de conformista: sempre foi assim, desde Nabucodonosor ou até antes.
Peço de joelhos e em público, se for necessário, que Vossa Superiorência deixe o governo trabalhar em paz; que cesse de estimular golpes; que deixe de se dedicar a futricas e boatos de uma ou duas linhas, especialmente desenvolvidas para acirrar discórdias; que se envolva na construção de uma paz política que permita ao país prosseguir; que pare de criar escândalos sucessivos a partir de quinquilharias como um barco de alumínio ou uma opção não realizada de compra de um apartamento classe média; que pare de repercutir escândalos de revistas já com o nome sujo na praça, envolvida com criminosos de verdade, do tipo que usa um "três oitão" (Vossa Sabessência sabe qual); que deixe de dar alento a pessoas públicas frustradas, invejosas, mal-intencionadas e partidárias, como alguns perdedores de eleição e um ou outro integrante sem ética do Poder Judiciário (Vossa Repetecência também sabe de quem estou falando); que deixe de contar meias verdades, que se tornam mentiras inteiras, como a do valor da ação da Petrobras, apenas para ficar nesse exemplo, que o jornal não se preocupa em vincular à extraordinária queda do preço internacional do petróleo; enfim, que cumpra o princípios editoriais criados por Vossa Criacência mesmos.
Não haverá perda nisso, salvo algum orgulho ferido de não ter logrado extirpar o PT do governo, o que Vossa Extirpência considera, claro, uma ofensa ao seu poder. Mas, sua riqueza tenderá a aumentar, como vem ocorrendo ao longo dos anos, fora esse pequena fenda na rocha de seu poder, de não ter podido, nos governos petistas, entrar no Palácio do Planalto e desandar a dar ordens ao presidente, como fazia regularmente Roberto Marinho até o governo de Fernando Henrique Cardoso, sendo sempre cordeiramente obedecido. Enfim, salvo essa pequena ranhura, Tiranência, o seu poder continua imenso e sua riqueza tende a aumentar.
Deixe esse governo trabalhar e dar um pouquinho só de dignidade ao povo. Vossa Iracundecência sabe, e até se irrita bastante com isso, eu sei, que esse foi o primeiro governo que, sem desatenção às exigências desse leviatã chamado "mercado", deu um pouquinho aos pobres, uma migalha.
Sacrilência, embora seja ateu, imploro em nome de Cristo (se V. Informacência for cristão), de Alá (se muçulmano), de Jeová (se judeu) ou de Satã (vai que Vossa Diabência possui um lado mais obscuro?), por sua magnanimidade. Deixe o povo receber só mais um pouquinho. Não irá te fazer falta. Só faltam três anos para Vossa Salivência tentar emplacar novamente um presidente. Pode ser até que esse altruísmo seja bem visto, por Deus ou pelo diabo que o carregue, e acabe ajudando o seu candidato (tenho que ser sincero e confessar que torço por um novo fracasso seu).
Sinceramente, ansiando por Vossa Duvidosíssima sensibilidade e sensatez, desse brasileiro sem poder e sem riqueza,
Marcio Valley.

2 comentários :

  1. Tira os joelhos do chāo,com estes monstros nāo tem conversa,muito menos súplicas!!

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  2. Realmente abominável a capacidade da Globo em distorcer a realidade.

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