domingo, 24 de abril de 2016

Sinuca de bico


Os adeptos do jogo de sinuquinha sabem bem o que é uma sinuca de bico. É quando a bola branca se encontra posicionada de tal forma que impede que a bola do jogo seja atingida diretamente. Nesse caso, o jogador tem que utilizar a tabela, ou seja, atingir sua bola em dois ou mais toques. É sempre uma situação difícil de sair, mas não impossível, dependendo muito da habilidade do jogador. Jogadores pouco habilidosos tendem a perder a jogada, enquanto jogadores experientes conseguem usar bem a tabela e sair da dificuldade.
Fica a indagação: Dilma é uma jogadora habilidosa? Conseguirá usar a tabela e sair da dificuldade do processo de impeachment?

O tempo dirá, mas os primeiros sinais são de que sim, ela aparenta ser habilidosa.
Essa conclusão é extraída de seus pronunciamentos na ONU e, logo após, em coletiva para a imprensa internacional.
Na ONU, colocou-se como estadista, proferindo pronunciamento que jamais poderia ser qualificado de provinciano e em desespero de causa própria. Falou 95% do tempo sobre o tema da cúpula e, em 5% ou menos, sobre os graves problemas internos, apenas ligeiramente, sem menções diretas e adjetivações. Perfeito.
Nem a urubóloga (para usar o termo criado pelo PHA para a Míriam Leitão), nem o Ataulpho (idem, para o Merval) puderam criar factóides sobre o discurso. Tiveram que aceitar a adequação da fala de Dilma na ONU. Merval ainda tentou se aproveitar da ausência da palavra "golpe", no discurso de Dilma, para lançar a ideia de que ela desistira da estratégia de qualificar de golpe o processo em curso, adotando a velha tática do "diga o que disser meu inimigo, suas palavras serão deturpadas". Se ela tivesse denunciado o golpe, seria criticada por isso; como não disse, capitulou, segundo o "imortal". Não seria ele o Merval, escorpião puro, se não agisse assim, aproveitando brechas para lançar do próprio rabo o veneno da desonestidade intelectual.
Todavia, na coletiva internacional, Dilma não deixou barato.
Sua ironia em relação ao temor dos golpistas em relação ao que ela poderia falar em seu discurso na ONU foi um golpe certeiro: os golpistas não temem ser golpistas, temem ser desmascarados perante a opinião pública internacional. Além disso, advertiu os ministros do Supremo sobre a liturgia que o cargo exige quanto a falar somente nos autos, notadamente nos casos em que possivelmente terão que julgar. É isso... Já imaginou um desses ministros sendo reconhecido e comparado a um golpista de republiqueta de bananas? Como venderão suas palestras? E... céus! O que constará da Wikipédia em seus verbetes?
E mais, Dilma não somente ratificou a tese do golpe, como adiantou o que fará caso o impeachment passe: irá solicitar ao Mercosul sanções contra o Brasil, acionando a "cláusula democrática", que foi adotada contra o Paraguai após o impeachment do presidente Fernando Lugo em 2012. O caso contra o então presidente paraguaio é em muitos aspectos similar ao que ocorre agora no Brasil. Lá, como aqui, apregoava-se a licitude do impeachment, a aprovação pelo Congresso, a normalidade dos procedimentos e a sustentação jurídica dada então pelo equivalente paraguaio ao STF. Deu no que deu. O Paraguai se viu totalmente fora da geopolítica, retornando à normalidade diplomática somente após as eleições democráticas seguintes.
Isso significa que, na hipótese do impeachment passar e Temer assumir, é muito provável que o Brasil seja excluído do Mercosul até janeiro de 2019, quando o próximo presidente legítimo será empossado.
Claro, isso não significa exatamente que, internamente, o golpe não passará e Dilma não será afastada, mas será um elemento bastante importante para ser utilizado nas próximas eleições presidenciais. Não se tratará mais somente da escolha de um dos candidatos. O povo escolherá entre candidatos democratas e golpistas, plenamente ciente de que o mundo inteiro, e principalmente o Mercosul, se a sanção for aprovada, considerou o impeachment um golpe, tanto que alijou o país do seu significado geopolítico durante mais de dois anos, com as perdas econômicas e de prestígio daí decorrentes.
A confirmação do impeachment pelo Senado, se ocorrer, será, talvez, a maior propaganda política para o PT nas próximas eleições.
A verdade é que se os golpistas tivessem simplesmente esperado democraticamente pelas próximas eleições, é muito possível que os eleitores, já naturalmente cansados pelo longo tempo do governo petista, viessem a escolher uma nova opção partidária (Marina? Ciro? Talvez. Aécio, Serra ou Alckmin? Jamais).
A vacina antidemocrática do golpe, aparentemente, salvou o PT de suas próprias contradições.
O PMDB, com ou sem impeachment, tem pouca ou nenhuma chance em eleições para presidente, com seus principais líderes e candidatáveis sempre expostos aos próprios currículos pouco invejáveis.
Quanto ao PSDB, principal ator do golpe, será difícil para seu constrangido candidato, seja quem for, convencer o eleitorado do compromisso democrático dos tucanos. Eles se identificaram espontaneamente com Malafaia e Bolsonaro. Perdeu, mano...
Para a Marina, sem qualquer identidade política sólida, sustentada por partido sem expressividade e com a imagem associada à de uma alpinista política, cujo maior compromisso é com o próprio ego e vaidade, as chances são remotas. Basta o seu candidato a ministro da economia falar para suas chances se pulverizarem. Claro que se pode recordar Collor, com perfil semelhante em sua época e que venceu. O problema é que o custo da vitória resultou em seu impeachment.
Fazer prognósticos é sempre um risco, mas o futuro parece ser bastante previsível: o senado aprovará o impeachment; Temer assumirá; o STF se verá amarrado aos entendimentos pusilânimes do passado e, como meio de salvar os egos, agirá como Pilatos; o afastamento será visto internacionalmente como um golpe contra a democracia; o Brasil ficará isolado internacionalmente e Temer somente será recebido sem reservas em Washington; a economia ficará ainda pior; percebendo a enrascada em que se meteram, o congresso tentará passar uma emenda para tornar o país parlamentarista; a emenda não passará, mas, ainda que passe, o PT retornará em 2018.
É arriscado, mas é possível dizer que, em 2018, pode não ser Lula o candidato vitorioso do PT, mas Haddad.
Esse é talvez um panorama muito possível para o futuro de curto prazo do nosso país.

O escorpião golpista, afoito, envenenou-se a si próprio e, com isso, salvou o PT de seu próprio veneno.

2 comentários :

  1. Marcio, analise perfeita, no meu entender, embora eu seja menos otimista em prognosticos para o futuro. Acho que ainda haverao de tentar tornar Lula inelegivel para 2018. Depois de mais de uma decada afastada do poder, a republica cafe com leite nao deixara barato. Imagino que tentarao algo, talvez quem sabe mudar o sistema de votacao ( ha discussoes a respeito) para voltarmos a ter votos em cedulas, coisa que propicie artimanhas para favorecer a direita. Tem interesses geopoliticos enormes em jogo. Sabe o que acho, para terminar? O Brasil e estrategico para implantacao de um capitalismo mais selvagem ainda, com direitos trabalhistas minguando e salarios idem. Dando certo aqui, implantam o modelo em toda a America Latina, espalhando-o mundo afora em economias mais debilitadas. Bj, amigo.

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  2. Prezado Marcio Valley, bom dia


    Não podemos esquecer o efeito midiático, que por omissão de Lula e Dilma, avalizam esse golpe. Ora, que futuro podemos pensar com a informação monopolizada que ainda recebemos? São perguntas simples que solapam nosso frágil conceito de democracia. Indago, porque Dilma não deu um golpe no golpe, chamando as Forças Armadas, mandando fechar o congresso e o stf, prendendo todos os golpista? Já que não é possível diplomacia com fascistas, que se use a força. Desculpe o radicalismo, mas em qualquer país sério, isso já teria acontecido (Rússia, China e até em alguns da Europa e USA).

    Abração

    Mário Mendonça

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