sábado, 26 de fevereiro de 2022

Putin abusou?

 

O lead do artigo "A guerra da Ucrânia, a mídia e os heróis e vilões da Marvel", do jornalista Luis Nassif, publicado no jornal GGN, é o seguinte:

"Com essa preparação, é possível que se chegue ao final da linha concluindo que Putin, de fato, abusou, quando ordenou a invasão.

Mas se sairá desse padrão de tratar o comandante de um dos países mais poderosos do planeta, como um mero descontrolado de boteco".

O grande "xis" da questão colocada por Nassif se desdobra no seguinte: teria mesmo Putin abusado geopoliticamente ao ordenar a invasão da Ucrânia? Havia outros meios de enfrentar o poder que se quer hegemônico dos EUA?

Ambas as respostas, segundo creio, passam pela negativa e explico.

Chegaria o momento de colocar em xeque a hegemonia americana e esse momento foi oportunizado a partir da intransigência ucraniana quanto ao cumprimento do pacto de Minsk.

Pimenta nos olhos do outro é refresco, diz o velho ditado da vovó.

Na crise dos mísseis, na década de 1960, os estadunidenses quase conduziram o mundo a uma guerra nuclear por conta da intenção soviética de instalar mísseis balísticos em Cuba.

Há diferença entre a estratégia defensiva americana de então com a dos russos atualmente? A resposta honesta é: nenhuma.

Os estadunidenses de então estavam certos em temer mísseis soviéticos instalados praticamente em seu quintal, assim como os russos de hoje temem que o território ucraniano seja utilizado como ponta de lança de ataques contra a Rússia.

Quase uma década de negociações não demoveu os EUA de sua nítida intenção de conduzir a OTAN e seus artefatos nucleares à fronteira imediata da Rússia, abrindo a possibilidade de utilizar territórios fronteiriços para instalação de bases militares e mísseis ameaçadores à nação russa.

A solução que restou aos russos foi demonstrar materialmente, para além de qualquer dúvida, que a neutralidade ucraniana constitui um elemento inafastável da segurança militar do povo russo.

E o momento da apresentação dessa questão inegociável não surgiu em decorrência da fortuna. A Rússia preparou, planejou, antecipadamente esse caminho.

Livrou-se da maior parte dos perigos das sanções internacionais, distanciando-se o quanto possível dos efeitos das retaliações comerciais mais previsíveis.

Aliou-se à China, afastou-se do fardo do dólar o mais que pôde, tornou suas commodities mais atraentes e indispensáveis.

Porém, e aqui reside minha desconfiança quanto à viabilidade da tese de "abuso russo", não creio que o temor pela segurança russa tenha sido o fator determinante para a invasão. Existe esse temor, sem dúvida, mas fosse somente isso, as negociações poderiam se prolongar por tempo indefinido.

O que de fato moveu a Rússia, segundo creio, com a China articulando nos bastidores, foi a definição do momento de dizer ao mundo que a multipolaridade geopolítica chegou e chegou para ficar. A Ucrânia, sob tal perspectiva, foi mera bucha de canhão.

Os americanos, principalmente, e os europeus, em segundo plano, levaram um nó tático de Putin e isso ficou claro para o mundo todo.

A Rússia, e a China por trás dela, mostraram inequivocamente ao mundo que a hegemonia militar e econômica ocidental euroamericana está nas cordas nesse ringue que é a economia global.

Não houve "abuso" na invasão, mas visão de que chegou o momento de pôr fim ao dogma da invulnerabilidade da potência militar ocidental representada pelas forças americanas e da OTAN.

O que estamos testemunhando é histórico: uma mudança na correlação de forças mundiais a partir do declínio de um império.

O povo ucraniano está sofrendo, sem dúvida alguma, e não merecia esse destino. Porém, muito disso se deve às escolhas equivocadas de um governo que não possui noção de si, tal e qual se apresenta outros governos de extrema direita ao redor do mundo, como o brasileiro.

A falta de noção colocou a Ucrânia no caminho de uma mudança geopolítica avassaladora que se apresentaria de alguma forma, em algum momento.

Estamos no limiar da Terceira Guerra Mundial ou, conforme for, de uma mudança paradigmática profunda na correlação de forças internacionais.

Aguardemos. O tempo dirá.

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