quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Polarização, falsa polarização e terceira via*

Este artigo, assim como os dois anteriores e o próximo que será publicado no blog, constitui mera divisão do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”.

Tornou-se moda rejeitar a polarização Bolsonaro x Lula. Trata-se da velha e falaciosa escandalização do banal ou criação de factoide. A palavra “polarização”, em seu sentido literal, envolve a noção de coisas situadas em polos opostos.

Contudo, quando transportada para o campo semântico da crítica política nem sempre representa exatamente um cenário de disputa entre os extremos do espectro político. Imagine-se uma hipotética disputa eleitoral que envolva somente dois candidatos, um representando o centro moderado, aglutinando forças políticas para a obtenção de vitória eleitoral sobre um tirano que se encontra no poder, e o outro candidato sendo o próprio tirano e seus asseclas tentando a recondução. Um cenário desse tipo, caracterizado pela divisão do eleitorado em dois posicionamentos distintos e antagônicos, é, por definição, polarizada, embora o candidato moderado não represente o extremo político oposto ao do tirano.

Nesse sentido, que não é o que a imprensa majoritária sustenta, sem dúvida alguma, uma disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro seria polarizada. A polarização, porém, não se daria entre os extremos políticos da direita e da esquerda. Seria uma luta que envolveria, de um lado do ringue, a esperança no incremento de felicidade coletiva, conhecimento, educação, ciência e prosperidade; e, do outro, a certeza da prevalência e ampliação do que já se vê: tristeza social, ignorância orgulhosa, obscurantismo, mal-estar coletivo e aumento da miséria. Para resumir, seria uma polarização capaz de definir o sucesso da civilização ou sua derrocada, a barbárie.

Lula nunca integrou a extrema-esquerda. Inicia sua carreira política na esquerda e posteriormente migra para a centro-esquerda. A feição moderada do PT, imprimida por Lula e outros líderes do partido, como José Dirceu, José Genoíno e outros, é comprovada pelo fato de que, ao longo do tempo, os filiados mais radicais, os mais representativos da extrema-esquerda, sentindo-se não representados pela sigla, dela saíram ou acabaram expulsos, o que acabou dando origem a partidos como PSTU (1992) e PSol (2004). A trajetória dos governos petistas define o partido como social-democrata.

Portanto, reduzir uma possível disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro a uma briga entre os dois extremos do arco-íris político é, mais do que um equívoco, uma fraude. Existe uma polarização, mas a que é desenhada pela mídia, que tenta colar no PT a marca da extrema-esquerda, é falsa.

Por outro lado, o exemplo do primeiro parágrafo demonstra uma polarização positiva. A inexistência de outros concorrentes com força eleitoral concentra os votos, ampliando a chance do candidato moderado vencer a disputa, o que torna mais fácil extirpar o tirano do poder. Portanto, quanto pior o caráter do governante no poder, melhor para o povo que um candidato de perfil mais democrático e progressista dispute com ele uma eleição polarizada, sem outros candidatos viáveis.

Claro que uma polarização do tipo exposto não pode ser imposta ou exigida. Num ambiente democrático, todos os partidos políticos possuem o direito de lançar candidato próprio e não podem ser criticados por fazerem exatamente aquilo para o qual foram criados. Partidos políticos são criados para conquistar o poder; é sua razão de ser. Fazem isso, claro, através de candidaturas. É claro que, num país que possui eleição em dois turnos, a existência de vários candidatos não é um grande problema. A construção de uma frente contra a tirania pode ser operada no segundo turno, embora fosse ideal que, no primeiro, as candidaturas antitirania não atirassem umas contra as outras. Infelizmente, ego e ambição muitas vezes falam mais alto do que o interesse social. Tanto é assim que, costumeiramente, justamente os que invocam um suposto “espírito de união nacional” e em nome do “bem coletivo” para pedir a renúncia de candidatura alheia, costumam ser os que não abrem mão da própria. Há exceções, claro, porém, via de regra é trapaça objetivando facilitar a própria vitória.

O mesmo se pode dizer do argumento pueril de que Lula e Bolsonaro buscam impedir a colocação de uma terceira via. Políticos com candidaturas já publicamente lançadas não precisam autorizar outros partidos a lançarem candidatos. Como dito, é direito de cada partido; que lancem. Por outro lado, beira o ridículo a ideia de que um candidato forte deva dar suporte a outras candidaturas. Candidatos querem vencer a eleição, querem ser eleitos e chegar ao poder; não costumam atingir esse objetivo fortalecendo ou mesmo subindo no palanque dos adversários.

O resto é sofisma, balela e conversa fiada.


Nota:

1 – Este artigo, assim como os dois anteriores e o próximo que será publicado no blog, constitui mera divisão do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”. Todas as referências e notas explicativas podem ser obtidas no texto completo, aqui: http://marciovalley.blogspot.com/2021/08/lula-efeitos-politicos-da-inocencia_11.html






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