segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A discussão política no Facebook




Esse texto decorre dos dois anteriores aqui do blog, cuja repercussão foi para mim extremamente surpreendente. Talvez fosse útil, para quem ainda não leu, que os lesse para melhor compreensão deste. Eles estão aqui:
e aqui:
O primeiro recebeu milhares de acessos ao blog, tanto através do divulgador principal, o blog do jornalista Luis Nassif, a quem agradeço, como por meio de compartilhamentos do Facebook.
O segundo ainda está na casa das centenas, mas continua sendo compartilhado. A maioria dos comentários se alinhou com os pensamentos que expus. Todavia, como não poderia deixar de ser num ambiente plural e democrático, muitos discordaram.

Os pontos que mais chamaram atenção, nessas discordâncias, foram os ataques ao bolsa-família, visto como elemento de voto de cabresto, e a menção que fiz ao que chamei de "redação de Facebook", entendido como demonstração de arrogância e preconceito de minha parte.
A primeira questão, relativa ao bolsa-família, foi o mote para o segundo artigo, cuja leitura recomendo.
Quanto ao segundo questionamento crítico, respondi diretamente a diversos comentaristas nos próprios textos, de forma mais superficial, esclarecendo o meu posicionamento. Agora, de forma um pouco mais abrangente, farei algumas considerações acerca da aparente redução que fiz em relação a quem escreve no Facebook.
Antes de mais nada, reconheço que tais questionamentos foram pertinentes e que uma leitura dos meus textos, sem o devido enquadramento, é capaz de conduzir, sim, a uma interpretação de arrogância intelectual de minha parte, intenção que contudo nunca tive.
Ressalto, como primeiro aspecto de enfrentamento da crítica, que minha condição não é similar à do DaMatta, pessoa que possui, para o bem ou para o mal, uma vasta formação acadêmica e um currículo admirável, que inclui doutorado em Harvard, uma das universidades mais conceituadas do mundo.
Embora apreciador de obras acadêmicas, não sou intelectual, entendido este como aquele que organiza metodicamente o conhecimento acumulado. Apenas leio as obras numa leitura só, de forma quase similar a quem lê um romance. Claro que reflito sobre o lido, mas sem muita organização, sem muito método.
Então, minha crítica ao DaMatta precisa ser observada sob uma correta perspectiva, ou seja, como a análise realizada por um leigo, um não-acadêmico, sobre o modo a partir do qual um intelectual produziu sua leitura de determinada realidade.
Também é imprescindível ressaltar minha condição de usuário do Facebook, que utilizo para, basicamente, divulgar os textos que publico em meu blog. Desse modo, coloco-me na mesma condição de redator de Facebook que utilizei para comparação com a escrita do DaMatta.
E justamente por ser usuário e frequentador do Facebook, tenho condições de afirmar, por empirismo, que a qualidade do que se escreve lá é, na média, sofrível. Repito: na média. E faço questão de lembrar que média não é um indicador muito preciso da realidade. Costumo fazer uma piada comigo mesmo, segundo a qual quando estou ao lado de alguém com dois metros de altura, na média passo a ter um metro e oitenta, o que em nada modifica meus parcos um metro e sessenta.
O que defendi em meus dois últimos textos é que o DaMatta, como intelectual, como legítimo acadêmico e, precisamente por ostentar essa condição pessoal, ser colunista de alguns dos maiores veículos de imprensa do Brasil, não poderia dissertar, fora do Facebook, com a mesma qualidade média sofrível verificada na rede.
Há vida inteligente no Facebook? Claro que há e de muita qualidade. Porém, esse reconhecimento não altera a minha sensação de que o nível médio das discussões públicas que existem nessa rede social é ruim.
Mas, por que afirmo isso? Quais as experiências a esse respeito? O que vejo sendo publicado?
Na média, testemunho compartilhamentos maciços de bordões e memes, uma grande parte dos quais contêm mentiras absurdas, totalmente divorciadas da realidade e para cuja desconstituição bastaria um clique no Google. No entanto, são postadas na mais absoluta cara-dura, sem um mínimo de cuidado na apuração. É o oba-oba da torcida fundamentalista.
Certo dia, alertei uma amiga sobre a escandalosa mentira contida em seu compartilhamento. Sua resposta foi: "Obrigado, Marcio, por me alertar, mas vou deixar assim mesmo, porque fulana (a pessoa política criticada) pode não ter dito isso mas é assim que pensam os políticos". Já tive experiências semelhantes com outras pessoas.
Enfim, pessoas que criticam a mentira denominada corrupção, divulgam a mentira, agora em sua acepção mais conhecida de alteração dolosa da verdade, como instrumento de combate no front de seu posicionamento ideológico. Não cabe outra denominação para isso senão hipocrisia.
Uma outra pessoa próxima, que já escreveu livro e, portanto, possui pleno domínio da língua, é contumaz em compartilhar panfletos alheios sobre casos escabrosos da política, sempre em um só sentido (sobre o outro lado, o silêncio), sendo, entretanto, incapaz de escrever uma só linha, uma só palavra de sua própria autoria, para fundamentar essas opiniões ou para refutar as minhas, mesmo após eu insistentemente solicitar maior detalhamento argumentativo sobre o conteúdo dessa espécie de compartilhamento. Depois de várias ausências de respostas, inclusive diretamente, por e-mail, eu o bloqueei no Face. Reconheço ser desagradável, porém não vi alternativa. Entendo ser deselegante e grosseiro ignorar quem lhe dirige a palavra em busca do diálogo, tanto no mundo real, como no virtual. Qual a razão em manter uma relação desprovida de troca? Quem foge do diálogo, está fugindo de uma relação saudável, seja amizade ou outra coisa.
Uma outra pessoa conhecida, passou-me um sermão sobre não interferência em sua página com opiniões contrárias às suas. A partir daí, ante a imprescindibilidade de agradá-la em eventuais comentários, e não sabendo como fazê-lo, pois afortunadamente sou movido por opinião própria da qual somente recuo ante a racionalidade dialética e jamais por receio de chiliques decorrentes de suscetibilidades exacerbadas, deixei de comentar em sua página, com receio de irritá-la, pois apesar de tudo ainda prezo sentimentalmente sua amizade (a real).
Enfim, meu testemunho é no sentido de que, em geral, as opiniões que encontro nas páginas do Face são apenas o eco de palavras de ordem ou o último escândalo da manchete à guisa de argumentos (não, não são), sempre repletas de erros factuais ou de interpretação e quase sempre de forma acrítica.
Ainda assim, o elemento que mais trava, por enquanto (acredito no futuro da ferramenta), a possibilidade de o Facebook (ou outra rede de relacionamento com tal amplitude) se transformar na nova Ágora universal, um perfeito ambiente para o exercicío da dialética através de discussões fundadas na razão, na lógica e na tolerância é a rejeição da opinião contrária. Aparentemente, uma grande parcela dos usuários sonha (ou delira) em alcançar a unanimidade.
A interpretação da opinião divergente como ofensa pessoal e violação do direito à própria opinião é demonstração de intolerância, por um lado, e de contradição, pelo outro, pois nisso é esquecido que a crítica não ofensiva é, também, uma opinião pessoal protegida pelo mesmo direito.
Quem considera o próprio raciocínio perfeito e indiscutível demonstra apenas a própria ingenuidade e excesso de vaidade.
Pode-se, sobre o assunto, adotar a moda dos cães correndo atrás do rabo em uma discussão sem fim. Contudo, isso não modifica a percepção que tenho quanto a péssima qualidade média dos pensamentos que encontro no Facebook.
Posso estar equivocado, é claro, mas não vejo isso como preconceito, pois, como disse, também sou um "redator de Facebook", nem de desqualificação como meio de divulgação, pois também o uso para divulgar.
Existem as exceções? Claro que existem e muitas. Inclusive, após a divulgação massiva do meu texto, passei a conhecer com um pouco mais de profundidade esse lado do Face, digamos, mais “cabeça”, mais plural, a partir das diversas intervenções que recebi. Porém, embora tais exceções sejam um excelente indicativo do possível futuro das redes de relacionamento virtual, penso que ainda não são representativas da média do que se escreve. Por enquanto, são isso: honrosas exceções que, ainda bem, estão se multiplicando.
O futuro é realmente promissor, porém, atualmente, e sempre considerando a média, inexiste no Facebook, propriamente, debate público, mas milhares de monólogos à espera de aplausos e de concordância.
Apesar de tudo o que escrevi até aqui, e quase parafraseando FHC (esqueçam o que eu disse), ressalto que tudo isso é aceitável num ambiente de absoluta despreocupação, como o Facebook, praticamente um “jogar conversa fora”. Participa quem quer, comenta quem quer, posta quem quer. Participo muito pouco, mas participo. Então, no ambiente do Facebook, as regras são as do Facebook, embora, pessoalmente, considere que seria saudável para todos que esse ambiente virtual observasse as mesmas regras de cortesia e de discussões inteligentes que utilizamos no real. Em debates frente-a-frente, mesmo os mais ácidos, as opiniões divergentes em geral são escutadas, sendo respeitado o direito ao contraditório. Isso nem sempre ocorre quando se está oculto atrás de um teclado nas redes.
Agora, meus textos não criticavam um redator de Facebook, mas um intelectual de renome no país que divulga as suas "análises" nos maiores jornais do Brasil, como O Globo ou o Estadão. Nessa condição de intelectual e de escritor com profunda penetração na ordem das ideias que são estabelecidas no imaginário popular, ele não tinha o direito de utilizar redação similar à dos redatores de Facebook. Há uma responsabilidade conceitual acadêmica nas declarações públicas dos intelectuais e muito mais em relação àqueles cuja audição é ampliada pela mídia. São formadores de opinião e, nessa condição, proibidos de serem levianos.

Peço profundas desculpas a quem se sentiu ofendido pela expressão "redação de Facebook", porém a crítica não era a uma redação despreocupada como praticada no Facebook, mas à utilização, desse mesmo estilo descompromissado, por alguém que possui responsabilidade intelectual perante a sociedade.

Nenhum comentário :

Postar um comentário