A
responsabilidade da imprensa pelo acirramento de ânimo entre
petistas e anti-petistas é evidente. Estão fabricando um fosso que
vai se aprofundando. Um dia será impossível a construção de
pontes para o retorno à confraternização.
Ontem
(18/10) publiquei um twit com a seguinte mensagem: "O
antipetismo cego está se radicalizando e dividindo o país. Um dia
ainda conseguem a guerra civil.”. É o que penso de verdade, mas
esse pensamento não cabe em somente cento e quarenta caracteres, por
isso a razão desse texto.
Estamos
entrando num caminho extremamente perigoso, a partir do qual a
percepção de uma parcela da população quanto à dificuldade de
solução política pela via democrática começa a criar, em mentes
menos tolerantes, perigosas ideias de dominação a qualquer preço,
a qualquer custo.
A
paz social sempre nos caracterizou, ao ponto de sermos inclusive
considerados pusilânimes. Enquanto o povo argentino ou o chileno não
deram trégua às respectivas ditaduras, os militares brasileiros
sentiram-se totalmente confortáveis na cadeira do poder,
praticamente sem resistência da população, sem contar uns poucos
“chatos” que não chegaram a causar incômodo relevante.
Sempre
fomos assim, um povo pacífico. Os que hoje arriscam perturbar essa
paz brincam de forma irresponsável com o monstro do sonho
totalitário. Fazem isso porque, ou pensam tolamente que o barulho
ainda é incapaz de acordá-lo, ou são idiotas imaginado que
lograrão controlá-lo.
O
abismo que estão criando é capaz de engolir os dois lados.
É
sábia a comparação feita pelo juiz paulista Marcelo Semer do jogo
praticado pela imprensa real com aquele retratado no excelente filme
“V de Vigança”, no qual, dada a ordem para a disseminação do
medo pela imprensa, esta imediatamente passa a publicar somente
manchetes negativas. O objetivo? Causar medo na população,
disseminar o pânico, para facilitar o caminho daquilo que
apropriadamente Semer denomina de “populismo legal”, com
estabelecimento de medidas apresentadas como de “segurança” e de
“benefício social”, que, porém, invariavelmente envolvem severa
redução das liberdades e dos direitos individuais. Em todo lugar,
em toda a história, a escalada do medo é seguida da ascensão do
canto do radicalismo conservador, com o discurso do ódio, da
segregação, do preconceito, do endurecimento criminal, do
conservadorismo moral, da eterna sensação conspiratória causada
pela vigilância de todos por todos. Sempre envolve imensas perdas e
grave retrocesso civilizatório.
Se
isso ocorrer, parcela substancial da culpa deve ser atribuída a quem
a merece: os jornalistas.
As
empresas jornalísticas praticam a política que interessa às
corporações que são suas donas, pretendem a subida de um governo
mais palatável ao financismo, mais aberto ao capital especulativo.
Elas apelidaram isso de “mercado”. Porém, embora com culpa
inarredável, não teriam a facilidade que têm não fosse a extrema
leniência, subserviência mesmo, que os jornalistas empregados
nesses veículos inacreditavelmente demonstram. Falta honra, falta
vergonha na cara para os jornalistas.
Claro
que todos temos medo de perder emprego, lógico que precisamos do
ganha-pão. Existem momentos, contudo, em que valores mais elevados
do que a mera superação da incerteza se impõem.
Não
se imagina que possa um médico empregado realizar uma cirurgia com
bisturi enferrujado sob o descabido argumento de que seu patrão
mandou.
Da
mesma forma, não poderiam os jornalistas contratados estar
compactuando, como em grande parcela estão, com uma ação
confessadamente orquestrada pela grande imprensa no papel de
oposição, o que violenta os mais elementares princípios da
informação que deveriam pautar o jornalismo.
São
cúmplices desse desvario político e serão, junto com seus patrões,
culpados por toda e qualquer ruptura institucional ou social que
eventualmente ocorrer. São co-autores desse crime de imprensa que
está dirigindo a nação para conflitos impensados há poucos anos.
No
mínimo, repúdios diários das associações e dos sindicatos de
jornalistas deveriam ser publicados, a cada manchete nitidamente
tendenciosa. Os professores e estudantes das faculdades de jornalismo
deveriam mobilizar-se maciçamente em eventos públicos que
demonstrassem, de forma inequívoca, que a classe não compactua com
os objetivos das empresas jornalísticas.
Todavia,
afora exemplos admiráveis de jornalistas desvinculados das grandes
empresas, muitos atuando no que orgulhosamente chamam de “blogs
sujos”, o que se vê é timidez, é silêncio da classe. Isso tem
nome: trata-se de compactuar por omissão.
E
e a partir dessa omissão, o Brasil, um país historicamente pacífico
e reconhecido por essa natureza de tranquilidade social, aos poucos
vai se metamorfoseando numa espécie de Bósnia da década de 1990 ou
com outros países cujos profundos conflitos sociais resultaram em
facções da população se auto-digladiando em busca do poder ao
preço da própria destruição e da ruína do próprio país. Aos
vencedores, os escombros.
Hoje,
ainda nos encontramos num estágio mais brando. O que vemos é um
indivíduo se achar no direito de vociferar agressões verbais a um
ator que, na condição de pessoa comum e acompanhado de sua mulher,
tentava fazer uma refeição num restaurante, somente porque esse
ator declarou apoio a candidatura petista.
Nesse
momento, a violência física chegou “apenas” à inacreditável
agressão de um cadeirante que, nas ruas, exercia o seu direito
constitucional de militar politicamente, sendo jogado ao chão por um
descerebrado por usar um broche do partido no peito e uma bandeira na
mão.
Ainda
estamos num estágio incipiente (e insipiente) em que um artista,
mais famoso por ter passagens na polícia do que pela arte que
exerce, ao invés de simplesmente pedir votos para o candidato que
apoia, entende-se no direito de atacar um colega de profissão,
denominando-o de “marginal” e “acéfalo”, simplesmente por
discordar da opção eleitoral do artista que agride.
Esse
é o nível em que estamos atualmente. Amanhã, porém, petistas e
anti-petistas poderão ser obrigados a se entricheirar em condomínios
e quarteirões onde viverão livres da presença incômoda da
democrática voz dissonante, mas presos no próprio espaço em que se
confinaram.
Felizmente,
ainda estamos longe disso. Por ora os conflitos ocorrem mais
pesadamente em ambiente eleitoral. Porém, se lembrarmos que até
pouco não era assim e que a escalada da violência vem
progressivamente aumentando, já extrapolando do limite verbal para o
físico, não há porque imaginar que um conflito interno mais grave
não possa ocorrer no futuro.
Hoje
agridem petistas, amanhã os petistas revidarão e isso conduzirá ao
caos. Novamente invocando Marcelo Semer, o namoro com o estado
policial pode ser entendido no presente como uma opção eleitoral,
porém, sair dele no futuro, nunca será. Desse namoro resulta
inescapável casamento compulsório do qual não se pode libertar sem
muita dor, sem muito sofrimento, sem muita perda.
Essa
é a responsabilidade que imputo à imprensa e, principalmente, aos
jornalistas.
O
abismo que está se aprofundando não resultou da queda de um
imprevisível meteoro social. Ela é fruto inevitável do incansável
trabalho da imprensa na prática da escandalização de um lado só,
das distorções da realidade, da manipulação da verdade, da
ocultação criminosa de tudo que seja entendido como positivo, da
disseminação da falsa ideia de que todos os problemas do Brasil
possuem apenas um só nome e uma só coloração.
Enfim,
o acirramento político e a escalada de violência que se testemunha
é o filho degenerado de um posicionamento orgulhosamente assumido
pela imprensa na voz da presidente da Associação Nacional de
Jornais, Judith Brito, da Folha de São Paulo, que, em entrevista ao
jornal O Globo, não teve qualquer pudor em confessar que, ante a
fragilização da oposição no Brasil, cabia aos meios de
comunicação ocupar a posição oposicionista no país.
É
preciso que os ânimos sejam serenados e que os eleitores que não
desejam o PT governando entendam, de uma vez por todas, que esse
partido foi alçado e vem sendo mantido no poder através de eleições
realizadas de forma absolutamente democrática e que, se tiver que
sair do poder, e não tenham dúvidas de que sairá um dia, esse
caminho necessariamente deve passar pelo mesmo itinerário do
convencimento pacífico e democrático, necessariamente pela
sufragação nas urnas.
Creiam,
a opção é muito pior.
Os
eleitores do PT já deram demonstrações sobejas de que são mais
orgânicos e militantes do que os simpatizantes dos outros grandes
partidos. Eles são milhões e representam uma parcela significativa
do país, quase um terço, e não podem, simplesmente, ser calados,
manietados ou impedidos de escolher pelo voto os mandatários da
nação. Não cabe a pretensão elitista de silenciar os nordestinos
ou os cidadãos que recebem benefícios sociais.
O
regime político brasileiro ainda não é, e espero que nunca seja,
totalitário, ditatorial, embora aparentemente muitos assim desejem.
A
cada cidadão um voto e que prevaleça a democracia.
Essa
é a única maneira de evitar uma convulsão social.
Esse
deve ser o objetivo de cada jornalista brasileiro que entenda o poder
que a manchete possui na estruturação do tecido social, no
direcionamento da pauta de discussões públicas, na determinação
dos sentimentos sociais capazes de conduzir para um lado, pacífico e
desejado, ou para o outro, radicalizado e trágico.
Até
aqui, a irresponsabilidade dos jornalistas, entendidos como classe,
imperou.
É
por isso, jornalistas, que eu os acuso!
Concordo plenamente. Não só os donos de meios de comunicação têm responsabilidade, Os jornalistas que para eles trabalham também contribuem em nome do seu ganha pão. Parabéns.
ResponderExcluirÉ isso, Marcelo, temos que evidenciar esse discurso hipócrita. Abçs.
ResponderExcluirFoi na mosca. PARABENS.
ResponderExcluirFalou e disse Marcio . Felizmente temos 1 esperança , pessoas como vc e alguns poucos jornalistas que leram o manual de ética , que nos mostram o outro lado do muro. Abraçao
ResponderExcluirBom, Angelita, tomara que minha voz, pequenininha, consiga fazer alguma diferença. Obrigado pela força!
ExcluirFalta honra, falta vergonha na cara para os jornalistas.
ResponderExcluirEste fenômeno é mai antigo que o anti-petismo.E se revela a partir dos anos 90 como "efeito colateral" da ideias neo-liberais. Assim um falso "pragmatismo de mercado" seduziu a mente dos brasileiros, que passaram a justificar desde uma leve alienação e até crimes violentos como justificáveis, porque a pessoa precisa "sobreviver", ganhar seu sustento. Esta perversão alcança seu auge nestas tolices divulgadas pelos anti-petistas mas vem de longe...
E a disseminação de tal percepção do mundo tem tido influência maléfica nas artes, que eu nem preciso comentar que desde os anos 90 nada se cria de produtivo e inovativo na arte brasileira. E nesta época, nos anos 90, eu já percebia no refrão da música do J Quest : eu quero uma música fácil prá eu você e todo mundo cantar junto. Ou seja a subserviência total ao mercado!! O artista abandona totalmente sua capacidade propositiva e inovadora para se tornar um mero palhaço a fazer os ouvintes ignorantes cantarem... E no fundo filosoficamente é isso que representava a candidatura de Aécio!
É, Anonymous, disse tudo: falta vergonha na cara! Abçs.
ExcluirProcuro passar pela vida e aprender um pouco, sempre que posso. Aprendi que morar em um país dirigido por um metalúrgico é muito melhor que um país dirigido por professor emérito da Sourbone (não sei se é assim que se escreve e nem quero saber) e da USP, Aprendi que um pais que consegue mesmo que a força fazer distribuição de renda é melhor que um país que nem acha que isso seja possível. Aprendi também que quanto mais se abaixa, mais a bunda é mostrada e isso serve para essa corja de jornalistas dessas revistas vesgas e jornais deformantes.
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