sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O grito doentio da intelectualidade corrompida




O filósofo da USP Paulo Eduardo Arantes, atualmente aposentado, publicou um artigo na Folha de São Paulo, em 27 de maio de 2001, intitulado “Extinção” (1), por ocasião do apagão elétrico ocorrido durante o governo FHC.
Em seu artigo, o filósofo recordava que Adorno e Horkheimer, meio século antes, haviam advertido que “uma das lições que a era Hitler nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente”, pois, segundo esses pensadores, fora a mais alta intelectualidade europeia que teria pavimentado a estrada em direção à ascensão do nazismo a partir de argumentos lógicos sobre a inviabilidade do sucesso de tamanha aberração. Deu no que deu.
Paulo Eduardo deixava claro que havia um evidente paralelo, na época de seu artigo, entre os “inteligentes” europeus do turbulento período pré-nazista e os “inteligentes” paulistas:

Falo é claro dos inteligentes de São Paulo e de suas ramificações nacionais e internacionais de alto nível. Digamos que a estupidez da inteligência foi se tornando nos últimos tempos uma original contradição paulista.”
E, nesse ponto, Paulo Eduardo se permitia uma concessão aos hierarcas do império nazista, pois , dada sua condição de bárbaros, eram “naturalmente inimigos mortais da vida do espírito”. Porém, esse mesmo perdão não é concedido àqueles que ele entende possuir um “espírito anti-humano” caracterizado por sua “marca de origem: a superioridade bem-informada”.
Essa “superioridade bem-informada”, a meu ver, deve ser entendida como arrogância e vaidade intelectual, que são óbices ao reconhecimento do erro, ao pedido de perdão e ao estabelecimento do diálogo.
Referia-se Paulo Eduardo à “inteligência” paulista integrante da elite do PSDB, que deveria, naquela época, em 2001, apagão elétrico nas casas, produzir “um solene pedido formal de desculpa aos brasileiros e brasileiras que há sete anos aturam entre tantas outras delicadezas de atenção social o estribilho da referida pedantocleptocracia”.
Paulo Eduardo, em seu artigo, clamava pelo não esquecimento do apocalipse nazista e da lição que dele extraiu Hannah Arendt, ao encontrar “a descoberta da mais aterradora crueldade social germinando no processo aparentemente banal de corrupção da inteligência”.
A corrupção da inteligência, pois, tanto em Paulo Eduardo, como em Hanna Arendt, é capaz de produzir conflitos sociais potencialmente perigosos para a sociedade humana, pois, a partir dela, iniciado o caminho para a destruição, não há volta ou retorno à sensatez, já que um outro efeito seu é a cessação do diálogo provocado pela prepotência e arrogância intelectual de quem se vê como infalível.
Hoje, esse mesmo filósofo, em entrevista também à Folha de São Paulo, enfatiza que foram as manifestações de junho de 2013 que fizeram surgir no Brasil uma nova direita, que ele interpreta como um dos dos fenômenos mais importantes do Brasil contemporâneo. Ele traça um paralelo entre o fenômeno brasileiro e o que ocorreu nos Estados Unidos. Segundo ele:
"A direita norte-americana não está mais interessada em constituir maiorias de governo. Está interessada em impedir que aconteçam governos. Não quer constituir polticas no Legislativo e ignora o voto do eleitor médio. Ela não precisa de voto porque está sendo financiada diretamente pelas grandes corporações".
No pensamento de Paulo Eduardo Arantes, fora o período eleitoral, que é um teatro em que o engalfinhamento ocorre por sobrevivência, a esquerda não possui esse mesmo comportamento observado na nova direita. Isso ocorre por que a esquerda, hoje, assumiu o papel de governante, o que a obriga a “constituir maiorias, transigir, negociar, transformar tudo em um mingau".
Por isso, fechadas as cortinas eleitorrais, a esquerda só quer paz e amor, trocam-se beijos e ministros e se tenta governar.
Ocorre, porém, que mesmo após as eleições, só um lado está interessadoa em governar. Do outro está a nova direita realizando o que sociólogos americanos classificam de "polarização assimétrica", ou seja, uma oposição sem freios de um lado e o outro tentando contemporizar.
Paulo Eduardo, assim, nos fala sobre dois momentos distintos da corrupção da inteligência brasileira, o seu berço paulista, e ainda sua maior expressão política, e a sua disseminação na política nacional através do que ele denomina de nova direita.
A intelectualidade corrompida grita e seus gritos ecoam pelos ouvidos da nação.
Desde a campanha eleitoral de 2010 que o país assiste à elevação do tom do radicalismo, Agora em 2014 chegou ao confronto físico em várias oportunidades, além de provocar um sem-número de separações sociais entre amigos e parentes.
A corrupção da inteligência avança pelo Brasil e produz seus estragos. Até onde irá depende, ou de um surpreendente retrocesso da própria intelectualidade corrompida, ou da sanidade popular em rechaçar a propaganda enganosa e amplamente disseminada dessa intelectualidade.

Nenhum comentário :

Postar um comentário