João
Feres Júnior, cientista político que coordena o projeto
Machetômetro da UERJ, cujo objetivo é analisar as valências das
matérias publicadas na grande imprensa, declara, em entrevista ao
jornal GGN, ser “muito preocupante para a democracia brasileira
esse tipo de comportamento da grande mídia. A cobertura se encerrou
com uma página deprimente". Referia-se ele à capa da revista
Veja publicada dois dias antes da eleição e repercutida nos grandes
jornais e no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Ainda
na mesma entrevista, o pesquisador sustenta que "a cobertura dos
três jornais que a gente estuda, a Folha de S. Paulo, o Globo e o
Jornal Nacional, se caracterizou por um viés bem forte contra a
candidata do Partido dos Trabalhadores Dilma e contra o PT. Agora, no
final da campanha, acho que a coisa se revestiu de uma radicalidade
que eu nunca tinha visto antes. Todos os jornais e revistas semanais
juntos querendo dar um golpe de mídia, ou seja, virar o resultado
eleitoral por meio de um factoide que a Veja começou a publicar e
que rebate nos outros jornais todos". Para ele, a campanha da
oposição ao governo federal foi bancada pela revista Veja.
Como
explicar esse alinhamento da opinião política manifestada pelas
maiores empresas da imprensa brasileira?
Segundo
penso, a unanimidade que demonstram na opinião contrária ao PT diz
mais fortemente sobre os interesses ocultos dessas empresas do que
propriamente sobre a qualidade do governo realizado pelo partido que
atacam. Nunca é demais lembrar a famosíssima máxima de Nelson
Rodrigues: “toda unanimidade é burra”.
Somente
a concentração da mídia nas mãos de um número reduzidíssimo de
grupos familiares explica essa atitude da imprensa de solenemente
ignorar uma realidade na qual o Brasil vem apresentando um notável
desenvolvimento econômico e social, ainda que muito reste a ser
feito, e criar um ambiente virtual no qual tudo vai de mal a pior e
todos os problemas derivam de uma única causa cujo nome é PT. É o
reducionismo político conduzido à sua expressão máxima: basta
tirar o PT do governo e tudo ficará bem.
Como
pontificou o jornalista Luis Nassif em matéria sobre a imprensa
brasileira, falta concorrência, falta pulverização.
Nenhum
empresário em pleno gozo de sua sanidade, qualquer que seja o seu
ramo de negócios, se atreveria a se opor de modo tão escancarado e
feroz à vontade e à opinião de uma parcela significativa de
eleitores que representa, pelo menos, um terço da população
brasileira que vota no PT para o governo federal desde o ano de 2002.
Ou
alguém consegue imaginar a Casas Bahia ou a Volkswagen abrindo mão
de trinta milhões de eleitores/consumidores, sob o extremo risco de
que eles simplesmente sumissem de suas lojas ante uma explicitação
tão eloquente de seu apoio a uma candidatura antipetista e, além
disso, com apresentação de gravíssimas acusações ao partido
totalmente desprovidas de provas?
Claro
que não. Quando um diretor do Santander ousou fazer uma gracinha
parecida foi demitido e imediatamente surgiu um pedido de desculpas
formal do presidente da instituição. Não foi uma gentil concessão
do banco, foi puro negócio. Trata-se de uma parcela muito
significativa de pessoas para ser pura e simplesmente desprezada.
Pessoas que, não somente passariam a repudiar seu produto, como
engrossariam um coro de contrariedade à empresa com efeito
publicitário devastador.
Somente
a extrema segurança e conforto de dirigir um negócio protegido pelo
semi-monopólio existente nessa área de atuação empresarial
determina tal ousadia, tal desprendimento. Montados nessa comodidade,
em nada se preocupam pela flagrante contradição vislumbrada entre a
opinião publicada e a opinião pública. Sentem-se seguros pela
ciência de que o eleitor/consumidor possui raras opções ao seu
dispor e pela circunstância de que, em geral, as opiniões
manifestadas pela mídia estão em sintonia, provavelmente
concertadas entre si.
Sendo,
assim, pouco crível que a grande mídia brasileira esteja disposta
ao suicídio, remando contra trinta milhões de
eleitores/consumidores, então, o que explica esse comportamento
aparentemente insensato?
Tudo
passa a fazer sentido se pensarmos nos interesses das corporações
que controlam essas empresas, que integram o capital financista que
está dominando a globalização econômica. E o PT não atende aos
principais interesses dessas corporações. A política
desenvolvimentista adotada pelo PT possui nítido viés de proteção
aos interesses nacionais, o que contraria a lógica da globalização
defendida pelos financistas, essa espécie de neo-capitalista que
arrepiaria todos os cabelos de Marx se ele vivesse hoje. São
parasitas sociais que vivem e lucram exclusivamente da especulação.
Sem compromisso algum com a produção, não precisam fabricar um
prego, vivem de negociatas de títulos e de manipulação de câmbio
e juros de países distintos.
O
PT, ao tentar proteger o seu parque industrial, torna-se um espinho
de tamanho considerável no pé da globalização econômica
financista. Se o modelo do Brasil obtiver consagração mundial,
estará aberto um caminho perigoso para que outras nações se
questionem sobre os próprios modelos a serem adotados. A comparação
com os EUA será evidente: social-democracia ou ultraliberalismo? A
resposta a essa indagação passará pelo exemplo do Brasil, que está
fornecendo indícios reveladores de que é possível o sucesso da
social-democracia através do desenvolvimentismo. É um sonho
perigoso que precisa ser combatido pelos financistas de Wall Street.
Esse combate eles realizam através da imprensa que controlam e de
"matérias" que conduzem a opinião pública na direção
que eles indicam. Isso será feito ainda que ao custo de prejuízo
para algumas das empresas jornalistícas dos quais, direta ou
indiretamente, oficial e não oficialmente, possuem o controle. Ao
meu ver, essa é a questão que subjaz à profunda rejeição que a
imprensa demonstra ao governo do PT. Se isso custar a Abril ou o
Estadão, que custe. É apenas dano colateral aceitável e nem é
grande coisa.
Por
conta disso, essas eleições, mais do que todas as outras,
evidenciou ainda mais o que já era absurdamente cristalino: a
regulação da mídia se impõe e é urgente. Não para limitar a
liberdade de expressão e de informação, cuja restrição aos
poucos deve ser instruída a partir das indenizações judiciais
concedidas pelas ofensas à moral eventualmente ocorridas, mas para
impedir a concentração de diversos canais de propagação da
informação nas mãos de poucos grupos. Essa concentração, que se
materializa na forma de propriedade cruzada dos meios de comunicação,
fornece o substrato material necessário para que a pauta de assuntos
e de opiniões seja formulada, basicamente, por quatro empresas no
país: Globo, Abril, Estadão e Folha.
Essas
empresas detêm em suas mãos o poder decisório final sobre os
assuntos que serão discutidos pelos cidadãos em suas casas, no
trabalho e socialmente. Os assuntos escolhidos por esse seleto clube
de informações são disseminados através de mídias distintas que
estão sob seu controle, como jornais, rádios, revistas e tevês,
tudo submetido a uma única decisão: a do controlador do grupo.
Se
cada uma dessas espécies de mídia fosse controlada por
proprietários igualmente distintos, se cada um desses proprietários
fosse impedido de ter o controle de outro meio de comunicação,
ocorreria não somente a pulverização das titularidades dos meios,
como também a fragmentação das decisões sobre os assuntos a serem
colocados na pauta pública das discussões.
Isso
possibilitaria, inclusive, algo que hoje é praticamente inexistente:
o controle recíproco dos conteúdos, seja através de crítica
formulada por uma mídia em relação a algo publicado por outra,
como pela mera exposição de opinião divergente.
Claro
que a vitória do PSDB, com Aécio ou qualquer outro, implica
necessariamente a manutenção da regulação na forma atual, ou
seja, inexistente, porque essa forma é útil aos interesses
políticos e econômicos representados por essa candidatura, os quais
são coincidentes com a agenda de interesses dos grupos titulares das
grandes empresas de comunicação do Brasil.
Todavia,
caso Dilma consiga se sagrar vitoriosa nesse pleito, a regulação da
mídia inexoravelmente deve ser alçada à condição de pauta
prioritária, juntamente com a reforma política.
A
radicalização testemunhada nessas eleições, não somente entre as
candidaturas, mas principalmente entre os eleitores, que chegaram ao
enfrentamento físico, é, ao lado de um grave sintoma de que a pauta
escolhida pelos grupos de mídia está adoecendo o ambiente político
brasileiro, um forte indicativo de que o Brasil precisa ser salvo
desse verdadeiro aprisionamento de opiniões que hoje assistimos.
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