terça-feira, 20 de outubro de 2015

Coisas, marcas e pessoas



Morre a atriz Yoná Magalhães, aos oitenta anos.
Não posso me afirmar um grande fã de sua carreira, que na verdade conheço pouco, mais dos tempos de criança, quando ainda assitia novelas em função do apreço dos meus pais por esse tipo de entretenimento. Naquele tempo as casas em geral somente tinham uma televisão, o que já era um luxo para poucos. Então, não havia escolha, quando o pai chegava a gente assistia o que ele queria. 
Contudo, o sentimento de perda é real, pois o nome da Yoná é um dos muitos que
me acompanharam por toda a vida, como Tonia Carreiro, Rede Globo, Silvio Santos e tantos outros. Esses últimos ainda continuam a existir como constituintes, células externas, da pessoa que sou, de minha própria existência.
Sim, porque tudo que tangencia a nossa vida torna-se, ela própria, um pedaço do que somos. E vejo, cada vez mais, alguns desses pedaços indo embora. Casas da Banha, Tv Tupi, Chacrinha, Cazuza, Michael Jackson, datilografia, telefone discado...
Tudo coisas, marcas e pessoas que, em algum momento, foram comuns aos meus sentidos. Eu os via, os ouvia, os tocava, enfim, os sentia. Onde estão? Foram-se, atropelados pelo tempo, pela modernidade, pelas doenças, pela incessante necessidade de novidades, enfim, pela inexorável finitude da existência. Quanto às coisas, e jamais pensei que diria isso um dia, estou ficando cansado da obrigatoriedade da renovação, do culto extremado à inovação.
Qual o grande problema em permanecer um pouco mais com aquilo que ainda nos serve tão bem? Por que essa corrida pelo deslumbramento da última novidade?
Nem sou tão velho assim, mas já pertenço a uma espécie semi-extinta, pois sou um dos últimos exemplares do homo conservandis, aquele que aproveitava, consertava e reaproveitava quase tudo que um dia lhe fora útil. Hoje, troca-se, joga-se fora e coloca-se outro no lugar.
Sou do tempo em que o platinado da moto era consertado e não meramente trocado. Hoje, nem existe mais moto com platinado e quando alguma peça dá problema, coloca-se outra no lugar. À peça defeituosa, o lixo.
Tudo é fugaz, desimportante.
Em relação às empresas de antigamente, a voracidade do capital as foram tornando inviáveis, antiquadas, não lucrativas. O antigo brilho de suas lojas foi-se, aos poucos, sendo apagado pela opacidade da ambição pelo lucro a qualquer preço, e sempre cada vez maior. E aqui estamos nós, sem a Mesbla, sem a Ultralar e sem tantas outras empresas que, no meu tempo de juventude, eram as senhoras cintilantes das calçadas.
Aliás, lojas de calçada também se tornaram demodê num mundo onde cada vez mais os shoppings impõem o modelo de consumo brilhante e iluminado.
Por fim, também algumas pessoas se foram e continuam indo, cada vez em maior número. Quanto a essas, não há solução. O tempo as vai levando, as vai retirando de nossas vidas, levando-as para algum lugar intangível e deixando, aos que ficam, somente lembranças, saudades, nostalgia. Um dia, nós mesmos iremos, em busca delas.

Este ano, em junho, meu pai também se foi, aos 82 anos, componente importantíssimo de minha vida.
Cada uma dessas coisas e pessoas que vão deixando de fazer parte do cotidiano rol das causas de nossas sensações, sentimentos e percepções, são parte de nós mesmos que vão deixando de existir.
Como se a morte, afinal, não ocorresse num ato único e formidável momento, mas se desenvolvesse um pouco a cada dia.
Como se a vida de nós fosse sendo levada a cada coisa a que deixamos de ter acesso, a cada porta que se fecha na calçada, a cada marca que é varrida do mercado e, principalmente, a cada rosto que jamais voltaremos a ver, a cada voz que nunca mais ouviremos, a cada mão que nunca mais nos tocará.
A morte, portanto, não é um ato único, uma cena nesse peça em que atuamos, mas um processo que se desenrola ainda enquanto vivemos.

Fatídico, amedrontador, inevitável.

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