quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O deputado e o motorista


Lamentável a violência ocorrida no episódio no qual o deputado Takayama (PSC-PR), de 67 anos, acabou levando um soco do motorista do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) nas vias de acesso ao Congresso Nacional.
Não é possível defender ou justificar qualquer violência, muito menos quando verificada a desproporcionalidade física entre os envolvidos. O deputado, afinal, é um idoso.
Porém, as imagens captadas pelo sistema de segurança da Polícia Legislativa do Congresso são inquestionáveis. Os vídeos, que foram divulgados, claramente comprovam que: (a) não houve manobra de risco acentuado por parte do motorista quando dirigindo; (b) o deputado inicia a agressão ao desferir um tapa ou um soco no motorista, que somente então revida.
Além disso, aparentemente as lesões derivaram mais da forma com que se deu a queda do deputado, do que propriamente do soco que recebeu.

Em princípio, não cabe tecer considerações sobre fatos que não testemunhamos diretamente. As verdades são múltiplas e possuem tantas versões quantas são as pessoas que as contam.
Contudo, talvez porque o motorista sirva a um parlamentar do PT, ele está sendo massacrado pela opinião pública como um agressor de idosos. Assim, cabe levantar um contraponto.
Não conheço o deputado agredido, muito menos seu caráter, mas sabemos sobre a natureza geral das micro e macro relações de poder em nossa sociedade, brilhantemente destrinchadas por Sérgio Buarque de Holanda, em seu obrigatório Raízes do Brasil, e classificadas como hierárquicas e autoritárias, herança da cordialidade dos ibéricos. Cordial, de coração, ou seja, não pela simpatia e solicitude, mas pela abandono da razão em favor da paixão e da emoção. Afinal, coração é, antes de tudo, um órgão sanguíneo.
Dada essa herança ibérica, gostamos de mandar e também do seu correlato lógico, que é obedecer. Como afirmou recentemente aquela madame que representa o sindicato das patroas das empregadas domésticas sobre essas últimas: as pessoas precisam se colocar nos seus lugares. Em outras palavras, à casa grande o que é da casa grande e à senzala o que é da senzala, só para fazer remissão a outra grande obra sócio-antropológica.
Se entendermos o gesto do parlamentar idoso dentro desse contexto de interrelação de poder - quem manda, quem obedece -, é forte a presunção de que, talvez, ciente de sua condição de mais poderoso, afinal, deputado e, muito provavelmente rico, certamente mais rico do que o motorista, tenha assumido que podia agredir uma pessoa desfavorecida, inferior nessa visão hierárquica e autoritária que predomina em nossa sociedade, e sair impune, porque, afinal, ele é branco, rico e poderoso.
Quantos possuem a tolerância necessária para receber um tapa na cara e não revidar? Fosse um idoso carcomido, nitidamente enfraquecido pela idade, talvez, mas não é o caso.
Só que o poder tem muitos modos. Um deles se manifesta pela supremacia da força física, que quem nesse caso detinha naquele momento era o motorista.

Não há santos nessa história, mas se há alguém com uma dose um pouco menor de culpa, aparentemente é o motorista.

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