quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Delfim Netto e o capitalismo inovador


Bastante interessante esse pequeno artigo de Delfim Netto, publicado no Portal GGN e cujo link disponibilizo aqui, sobre as condições sociológicas históricas que dão azo à formação do capitalismo. Destaco a parte em que ele pontifica que o capitalismo é apenas um momento no processo histórico, não podendo ser classificado, nem como natural, nem como eterno. Que ótimo que isso seja dito por um intelectual conservador, não é mesmo? Delfim corrobora o que costumo dizer: a honestidade intelectual dá sabor e veracidade à palavra, escrita ou falada, que, assim, clama por ser consumida. Nada mais detestável do que um texto sofista e tendencioso.
Tendo a concordar com Delfim com relação ao que Marx pensaria sobre o capitalismo atual, que provavelmente o entusiasmaria, embora mantendo a crítica da imoralidade e da injustiça que o permeia.
Não cabe negar que a situação da miséria e das condições de trabalho, hoje, aí incluído o ganho de renda e melhoria das condições higiênicas do ambiente de trabalho, é bastante superior ao testemunhado por ele em final do século XIX. Claro que tal melhoria levou mais tempo - um século - para alcançar uma parcela algo significativa e ainda não suficiente da população mundial do que seria desejável, já que sabemos que a concentração da riqueza é de tal magnitude que menos de um porcento da população mundial detém mais da metade da riqueza material e que existem bolsões gigantescos da mais degradante miséria em vários cantos do planeta, alguns totalmente esquecidos pelo restante da humanidade. Ainda assim não se pode negar ser um ganho considerável se cotejado com a experiência histórica dos séculos anteriores, no qual a miséria era a regra.
Delfim faz pequena referência aos socialistas fabianos, que não acreditavam na revolução como meio de alcançar o socialismo. O gradualismo efetivamente se apresenta como uma solução melhor na construção de uma sociedade mais igualitária e menos autoritária e abusiva do que rupturas violentas. De modo geral, não se deve aplicar um remédio que irá matar o paciente. Sendo, não somente possível, mas provável, a perda de milhares ou milhões de vidas, não haverá vitória para nenhum dos lados. Revoluções são românticas e algumas dotadas de um simbolismo inegavelmente marcante, mas historicamente conduziram a pouco resultado prático em benefício do povo. Muitas serviram apenas para trocar o tirano por um pior.
Existem países que alcançaram um grau bem mais elevado de igualdade, como são exemplo os nórdicos, sem abdicar do capitalismo e sem lançar mão da convulsão social. Além desses, pacíficos e dispostos a respeitar os direitos mínimos exigidos pelo princípio da dignidade, pode-se indagar sobre como categorizar a China de hoje, em termos sócio-econômicos, senão como exemplo palpável de tentativa de construção de um modelo de socialismo suavizado, talvez fabiano, no qual a empresa privada existe, sendo porém submetida a um intenso grau de controle estatal?
Numa perspectiva absolutamente hipotética de futuro e imaginando-se uma forte regulação estatal no mercado de ações que o conduza a negociar exclusivamente papeis vinculados à produção real, ou seja, extirpado dessa inclinação para cassino cada vez mais presente em sua silhueta, por conta de excrescências como derivativos e apostas em mercado futuro, assim como obrigando todas as empresas a possuírem ações negociadas na bolsa, ao ponto da pulverização total do controle acionário, como se poderia denominar um sistema econômico no qual todos os cidadãos fossem obrigatoriamente remunerados de forma mista, parte em dinheiro, parte em ações da empresa? Seria, por assim dizer, uma espécie de cooperativismo conduzido ao seu extremo máximo. Se são todos, concomitantemente, empregados e acionistas, que tipo de conflito poderia existir entre as classes? Ou melhor, ainda se poderia falar em classes?
Não seria essa, talvez, a contradição maior do capitalismo? A possibilidade palpável de uma transição gradual e pacífica para o socialismo, sem traumas e dentro do ambiente e de regras civilizadas, por isso mitigadas, do próprio capitalismo? Isso seria possível desde que antecedida essa transição por condições históricas que a viabilizassem, tais como formação cultural mais sólida da população, ganho substancial na renda dos trabalhadores, ambiente de maior democracia e igualdade de peso entre os eleitores e consequente empoderamento pelo voto.
Quem imagina que a Revolução Russa deu vazão e esgotou a utopia de Marx e que a queda do muro de Berlim a ela pôs fim, com isso encerrando a própria História, precisa recalibrar seu pensamento. Muita água ainda há de rolar por sob essa ponte chamada civilização.

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