quarta-feira, 26 de junho de 2013

A corrupção nos governos


É socialmente salutar discutir-se o problema da corrupção. Contudo, o debate público deve ser pautado pela racionalidade e com a maior objetividade possível. Caso enfrentado o tema com o alto teor de paixão pública que atualmente se verifica, a saúde da discussão se esvai, iniciando-se um processo de rupturas no qual ninguém ouve mais ninguém.
O primeiro ponto a destacar é que corrupção é um elemento até aqui inalienável da sociedade humana e cuja distribuição é bastante igualitária: está presente em todos os países e em todos os governos do mundo, mesmo os mais avançados. Alguns mais, outros menos. Em alguns, como nos EUA, a perseguição pelo controle da corrupção conduziu à sua institucionalização parcial, passando a parte legalizada a ser eufemisticamente denominada de "lobby". A instituição do lobby, porém, não significou que o "investimento" das pessoas e empresas representadas pelos lobistas tenha se limitado à distribuição de garrafas de vinho e fins de semana grátis em paraísos tropicais para os políticos e demais pessoas públicas que possuam poder sobre os projetos que interessam. A prática do pagamento de propinas milionárias persistiu de forma ostensiva ou velada.

Não é correto afirmar que a proposta do PT, antes de ser governo, e para além da mera retórica de palanque, fosse efetivamente pôr fim à corrupção, o que seria de uma ingenuidade total e incondizente com o partido político experiente que é. Como qualquer outra pessoa ou instituição que queira combater a corrupção, o real objetivo sempre será o de mitigar a sua incidência e os seus efeitos o mais eficazmente possível, para isso utilizando os meios disponíveis e outros passíveis de criação.
Analisado sob essa perspectiva, aparentemente essa agenda está sendo cumprida. Alguns sinalizadores indicam isso. A Polícia Federal, por exemplo, que realizou apenas algumas dezenas de operações durante todo o governo do PSDB, já produziu mais de quinze mil operações no atual governo.
Costuma-se mencionar o caso do mensalão, alcunhado pela imprensa como sendo "o maior caso de corrupção da história", como exemplo de corrupção do PT no governo. A próxima existência de um "mensalão" é altamente discutível, mas, supondo-se verdadeira, não cabe a generalização, ela atinge os acusados. Toda instituição humana, até o Vaticano, possui seus próprios corruptos. Seria como acusar o papa pela pedofilia de seus padres.
E claramente não é o maior caso de corrupção da história do país. Somente uma retórica sofista de um lado e um ouvido ingênuo do outro é capaz de colocar credibilidade nessa assertiva. É, para dizer o mínimo, uma piada.
O mensalão, segundo afirmam os jornais, supostamente teria carreado aos bolsos dos envolvidos, no total, pouco mais de setenta milhões de reais. Tal valor é o que consta dos autos da ação penal 470, que tramita no Supremo e está julgando o suposto delito. A privataria tucana, na estimativa mais otimista, esvaziou os cofres da nação em mais de dois bilhões de reais. O mensalão corresponde a cerca de quatro por cento da roubalheira do patrimônio público praticada durante a gestão federal do PSDB.
Ao lado disso, há a nebulosa questão da compra de votos para a emenda constitucional que permitiria a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, caso absolutamente comprovado, com confissão de envolvidos, como do então deputado Ronivon Santiago.
Ninguém foi julgado por esses crimes. Em seus oitos de governo, os administradores públicos do PSDB passaram incólumes pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Prova de honestidade ou indício de encobertamento?
O fato inelutável, registrado para história, é que Geraldo Brindeiro, Procurador Geral da República durante o governo do PSDB, nomeado para vários mandatos consecutivos pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu inúmeras denúncias, várias acusações, inclusive de seus próprios subordinados, os demais procuradores. Engavetou tudo. Não é exagero retórico. Engavetou tudo mesmo, nenhuma acusação, nenhuma denúncia teve andamento contra o PSDB durante sua gestão. Por conta disso, recebeu o apelido de "engavetador geral da nação".
Quanto à existência factual do mensalão, existem elementos que indicam ter sido um caso judicial construído intelectualmente pelo Ministério Público e pelo ministro Joaquim Barbosa. Aparentemente, um caso de caixa dois de campanha foi transformado em corrupção constituída por pagamento pelo voto favorável de deputados em votações de interesse do governo.
O próprio teor das leis votadas, supostamente para aprovação das quais o governo teria pagado propina aos deputados, indica isso, pois se tratam de matéria de interesse do país e não para beneficiar individualmente empresas ou pessoas. A curiosa relação das votações supostamente "compradas" contém reforma tributária, reforma previdenciária e outras da mesma espécie. Que tipo de interesse, senão público, teria o governo nesses assuntos ao ponto de comprar votos? Em alguns bons lugares do mundo essas matérias seriam consideradas prioritárias. Se há alguém errado a ser apontado, não seria o deputado que exige propina para votar assunto de interesse nacional?
Analisado sob essa lente, é possível dizer que o governo do PT está sendo mais combativo em relação à corrupção do que os anteriores. Há muito maior publicidade sobre os casos de corrupção do que antes, quando era escondida. Todavia, um sinal de republicanismo do PT está sendo utilizado pelos adversários como sinal de corrupção do próprio PT.
Não se pode assegurar a limpeza ética total de partido algum, sabendo-se que a política em geral não é limpa. No caso do Brasil, todo partido que alcança o governo necessariamente se vê obrigado a aceitar indicações políticas de seus aliados, exigidas como barganha para a sustentação do governo, a chamada governabilidade. Esse elemento daninho de nossa política torna impossível garantir que nenhum dos milhares de nomeados se corromperá. Se ocorrer, que se investigue, se acuse, se julgue e se condene. Não cabe contaminar sistemicamente o governo por conta de ações individuais.
No ranking de corrupção entre os partidos políticos brasileiros, o PT não está encabeçando a lista. A corrupção existiu, existe e certamente existirá ainda por muito tempo no governo brasileiro, seja com o PT, seja sem ele. Quando outro partido governar, a corrupção estará lá, presente. Supondo que a saída do PT do governo implique o resgate do modelo anterior, certamente a corrupção será ainda maior. Só que, suavizadas as manchetes dos jornais, não estaremos cientes disso, como antes não estávamos.
Satanizar o PT é ingenuidade que parte do pressuposto equivocado de que algum partido político que já tenha participado de algum governo, não tenha máculas idênticas ou piores.
Não há dúvida de que se deve combater a corrupção, mas a solução para reduzi-la passa distante da singela saída do governo atual e bem próximo de uma reforma política consistente, profunda. Esse é o bom combate que os brasileiros, unidos, deviam estar travando nesse momento. Desenvolver uma rivalidade infantil entre petistas e antipetistas não somente não resolve a situação, como tira o foco do verdadeiro problema.
O fundamentalismo anti-PT não levará a nenhum resultado prático na guerra contra a corrupção. Aliás, pode sim, pelo contrário, produzir o retorno de estruturas partidárias muito piores do que as do governo atual.

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