É
socialmente salutar discutir-se o problema da corrupção. Contudo, o
debate público deve ser pautado pela racionalidade e com a maior
objetividade possível. Caso enfrentado o tema com o alto teor de
paixão pública que atualmente se verifica, a saúde da discussão
se esvai, iniciando-se um processo de rupturas no qual ninguém ouve
mais ninguém.
O
primeiro ponto a destacar é que corrupção é um elemento até aqui
inalienável da sociedade humana e cuja distribuição é bastante
igualitária: está presente em todos os países e em todos os
governos do mundo, mesmo os mais avançados. Alguns mais, outros
menos. Em
alguns, como nos EUA, a perseguição pelo controle da corrupção
conduziu à sua institucionalização parcial, passando a parte
legalizada a ser eufemisticamente denominada de "lobby". A
instituição do lobby, porém, não significou que o "investimento"
das pessoas e empresas representadas pelos lobistas tenha se limitado
à distribuição de garrafas de vinho e fins de semana grátis em
paraísos tropicais para os políticos e demais pessoas públicas que
possuam poder sobre os projetos que interessam. A prática do
pagamento de propinas milionárias persistiu de forma ostensiva ou
velada.
Não
é correto afirmar que a proposta do PT, antes de ser governo, e para
além da mera retórica de palanque, fosse efetivamente pôr fim à
corrupção, o que seria de uma ingenuidade total e incondizente com
o partido político experiente que é. Como qualquer outra pessoa ou
instituição que queira combater a corrupção, o real objetivo
sempre será o de mitigar a sua incidência e os seus efeitos o mais
eficazmente possível, para isso utilizando os meios disponíveis e
outros passíveis de criação.
Analisado
sob essa perspectiva, aparentemente essa agenda está sendo cumprida.
Alguns sinalizadores indicam isso. A Polícia Federal, por exemplo,
que realizou apenas algumas dezenas de operações durante todo o
governo do PSDB, já produziu mais de quinze mil operações no atual governo.
Costuma-se
mencionar o caso do mensalão, alcunhado pela imprensa como sendo "o
maior caso de corrupção da história", como exemplo de
corrupção do PT no governo. A próxima existência de um "mensalão" é altamente
discutível, mas, supondo-se verdadeira, não cabe a generalização,
ela atinge os acusados. Toda instituição humana, até o Vaticano,
possui seus próprios corruptos. Seria como acusar o papa pela
pedofilia de seus padres.
E
claramente não é o maior caso de corrupção da história do país.
Somente uma retórica sofista de um lado e um ouvido ingênuo do
outro é capaz de colocar credibilidade nessa assertiva. É, para
dizer o mínimo, uma piada.
O
mensalão, segundo afirmam os jornais, supostamente teria carreado
aos bolsos dos envolvidos, no total, pouco mais de setenta milhões
de reais. Tal valor é o que consta dos autos da ação penal 470,
que tramita no Supremo e está julgando o suposto delito. A
privataria tucana, na estimativa mais otimista, esvaziou os cofres da
nação em mais de dois bilhões de reais. O mensalão corresponde a
cerca de quatro por cento da roubalheira do patrimônio público
praticada durante a gestão federal do PSDB.
Ao
lado disso, há a nebulosa questão da compra de votos para a emenda
constitucional que permitiria a reeleição de Fernando Henrique
Cardoso, caso absolutamente comprovado, com confissão de envolvidos,
como do então deputado Ronivon Santiago.
Ninguém
foi julgado por esses crimes. Em seus oitos de governo, os
administradores públicos do PSDB passaram incólumes pela Polícia
Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Prova de
honestidade ou indício de encobertamento?
O
fato inelutável, registrado para história, é que Geraldo Brindeiro, Procurador Geral da República durante
o governo do PSDB, nomeado para vários mandatos consecutivos pelo
então Presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu inúmeras denúncias, várias acusações, inclusive de seus próprios
subordinados, os demais procuradores. Engavetou tudo. Não é exagero
retórico. Engavetou tudo mesmo, nenhuma acusação, nenhuma denúncia
teve andamento contra o PSDB durante sua gestão. Por conta disso,
recebeu o apelido de "engavetador geral da nação".
Quanto à existência factual do mensalão, existem elementos que indicam ter sido um caso judicial
construído intelectualmente pelo Ministério Público e pelo
ministro Joaquim Barbosa. Aparentemente, um caso de caixa dois de
campanha foi transformado em corrupção constituída por pagamento
pelo voto favorável de deputados em votações de interesse do
governo.
O próprio teor das leis votadas, supostamente para aprovação das quais o governo teria
pagado propina aos deputados, indica isso, pois
se tratam de matéria de interesse do país e não para beneficiar
individualmente empresas ou pessoas. A curiosa relação das votações
supostamente "compradas" contém reforma tributária,
reforma previdenciária e outras da mesma espécie. Que tipo de
interesse, senão público, teria o governo nesses assuntos ao ponto de
comprar votos? Em alguns bons lugares do mundo essas matérias seriam
consideradas prioritárias. Se há alguém errado a ser apontado, não
seria o deputado que exige propina para votar assunto de interesse
nacional?
Analisado
sob essa lente, é possível dizer que o governo do PT está sendo
mais combativo em relação à corrupção do que os anteriores. Há
muito maior publicidade sobre os casos de corrupção do que antes,
quando era escondida. Todavia, um sinal de republicanismo do PT está
sendo utilizado pelos adversários como sinal de corrupção do
próprio PT.
Não
se pode assegurar a limpeza ética total de partido algum, sabendo-se que a
política em geral não é limpa. No caso do Brasil, todo partido que
alcança o governo necessariamente se vê obrigado a aceitar
indicações políticas de seus aliados, exigidas como barganha para
a sustentação do governo, a chamada governabilidade. Esse elemento
daninho de nossa política torna impossível garantir que nenhum dos
milhares de nomeados se corromperá. Se ocorrer, que se investigue, se acuse, se julgue e se condene. Não cabe contaminar sistemicamente o governo por conta de ações individuais.
No
ranking de corrupção entre os partidos políticos brasileiros, o PT
não está encabeçando a lista. A corrupção existiu, existe e
certamente existirá ainda por muito tempo no governo brasileiro,
seja com o PT, seja sem ele. Quando outro partido governar, a
corrupção estará lá, presente. Supondo
que a saída do PT do governo implique o resgate do modelo anterior,
certamente a corrupção será ainda maior. Só que, suavizadas as
manchetes dos jornais, não estaremos cientes disso, como antes não
estávamos.
Satanizar
o PT é ingenuidade que parte do pressuposto equivocado de que algum partido
político que já tenha participado de algum governo, não tenha
máculas idênticas ou piores.
Não
há dúvida de que se deve combater a corrupção, mas a solução
para reduzi-la passa distante da singela saída do governo atual e bem próximo
de uma reforma política consistente, profunda. Esse é o bom combate
que os brasileiros, unidos, deviam estar travando nesse momento.
Desenvolver uma rivalidade infantil entre petistas e antipetistas não
somente não resolve a situação, como tira o foco do verdadeiro
problema.
O
fundamentalismo anti-PT não levará a nenhum resultado prático na
guerra contra a corrupção. Aliás, pode sim, pelo contrário,
produzir o retorno de estruturas partidárias muito piores do que as
do governo atual.
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