segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta para minha amiga



Minha querida amiga,
Contaram-me sobre sua crise nervosa. Entristeceu-me, pois tenho carinho por você e sei que algo dessa espécie não ocorre com ninguém gratuitamente. É reflexo de algo muito intenso que a pessoa carrega dentro de si. Significa que a pessoa sofre. E a gente se entristece quando sabe do sofrimento de alguém por quem nutrimos carinho. E mesmo amigos próximos às vezes não sabem como lidar com situações extremas vivenciadas pelo amigo que sofre. Ficam sem saber bem o que fazer para ajudar. Não sabem se a pessoa, conturbada pela vivência da aflição, quer aproximação ou distância. Há sofredores que necessitam muito falar. Há os que, pelo contrário, queiram calar. Quem ama e sabe da dor do amigo quer muito fazer algo, mas eis que surge o receio de, ao invés de ajudar, agravar o que já não é pequeno.
E assim, incerto quanto à minha conduta, resolvi escrever o que sinto, o que penso. Porque um texto vindo de uma pessoa amiga é algo muito próximo, mas distante ao mesmo tempo. Através dele, o interlocutor consegue transmitir sua emoção, ou parte dela, sem impor sua presença física que eventualmente pode incomodar àquele que anseia por um momento de introspecção. É como se a gente pudesse, dentro de um envelope ou através do e-mail, remeter apenas a parte de nós que interessa. Uma parcela de nossa alma remetida via internet. Ou pelo carteiro.
É óbvio que mesmo um texto pode, ainda assim, significar alguma invasão se a pessoa pretende isolamento total. Porém, há a vantagem de que, sendo esse o caso, a pessoa pode simplesmente rasgar o papel ou deletar a mensagem. Privacidade garantida.
Falo isso tudo para te pedir desculpas antecipadas se por acaso essa mensagem for inconveniente. Mas, como disse, sem saber direito o que fazer, mas não querendo ficar sem fazer nada, por te querer bem, resolvi escrever. Sorry!
A primeira coisa que resolvi foi não usar de subterfúgios. Tanto que comecei por escrever que havia ficado ciente de sua CRISE NERVOSA. Porque ela foi isso mesmo: uma crise nervosa. Essa coisa já acometeu milhões e milhões de pessoas na história do mundo e ainda irá acometer outras tantas no futuro. É isso mesmo. Isso não aconteceu somente com você, é algo extremamente comum e decorre dessa velocidade em que vivemos, desse stress a que nos submetemos, dessa merda de vida moderna que vivemos, apressada, competitiva, consumista, de aparências, fútil. Cujos valores são virados de cabeça para baixo sub-repticiamente, sem que notemos. Nós nos acostumamos, erradamente, a pensar que não existe outro estilo de vida, mais vagaroso, menos exigente e sem tentação maior do que viver em paz conosco mesmos, com nossa família e cultivar boas amizades.
Isso, que aconteceu contigo, poderia ter ocorrido comigo. Sim, perfeitamente (ou imperfeitamente, sei lá). E para dizer a verdade, já quase aconteceu. Porque todos nós sentimos, vez ou outra, essa sensação de que jamais seremos capazes de atender às expectativas das pessoas ou às nossas próprias. E é essa pressão contínua que exercemos sobre nós mesmos que nos faz, por vezes, ter essa vontade de gritar, como uma forma de protesto contra tudo o que nós mesmos fazemos conosco.
Porque, no fundo, amada amiga, nossa rebelião não é contra o mundo, é contra essa guerra que travamos em nosso íntimo. Onde, de um lado, está a pessoa que percebemos em nós, escondida em algum recôndito, e de outro, aquela que efetivamente se apresenta no espelho.
Isso, minha amiga, não é coisa sua. É coisa nossa, é coisa do ser humano. Ás vezes, a gente simplesmente grita. É assim mesmo.
O verdadeiro problema, porém, é: o que fazer depois do grito?
Sim, porque o grito evidencia a dor e pode amenizá-la por instantes, mas não a cura. O grito é apenas o sintoma da doença, que pede um bom remédio. E o remédio é subjetivo. Não há uma receita geral. É como remédio encomendado em farmácia de manipulação, cada um avia uma receita única, feita sob medida. O seu remédio eu não sei. Talvez não saiba nem o meu.
Embora, contudo, não saiba exatamente o que fazer, acho que posso opinar sobre o que não fazer. E como amigo que guarda você com carinho no coração eu vou tomar a liberdade de te dizer esses meu palpites.
Primeiro, não se envergonhe do que ocorreu. Você teve uma crise nervosa, um momento de insanidade, e ponto final. Isso acontece e pode acontecer com qualquer um. Ninguém que realmente te ame vai passar a vê-la com olhos diferentes do que os que antes te viam. Para esses, você continuará a ser essa menina meiga, inteligente e bonita que você é. E uma profissional competente e capaz. O que ocorreu não te desmerece de jeito nenhum. Não se trata de um defeito e ainda que fosse, vou te contar um segredo: desculpe-me mas nunca achei que você fosse perfeita. Nem se exija perfeição. Somente Deus a detém e trata-se de virtude que a ninguém mais foi concedida (ele até titubeou a meu respeito, mas no final achou por bem privar-me de vinte centímetros... de altura).
Segundo, não se iniba em pedir ajuda, inclusive a você mesma. Já que esse grito ficou incontido, é hora de tirar algum proveito. Reavalie tudo em sua vida. Tintim por tintim. Pese, sopese e repese todas as suas decisões. Veja o que é descartável e descarte. Verifique o que é absolutamente indispensável e agarre-o. A sua crise, como um vulcão enfurecido que expõe a sua lava quente para quem quiser ver, deixou claro para todos a dimensão de sua dor. E todos os que te querem bem estão, nesse momento, dispostos a qualquer coisa para ajudar. Pois peça e será ajudada. A questão agora, para quem lhe é próximo, não é ajudar ou não, a questão é como ajudar e aí cabe a você dizer de que forma essas pessoas poderão te ajudar. Peça.
Terceiro, o mais rápido possível saia com amigos para bater papo, beber (não muito) e dançar. Se quiser, converse com alguém mais chegado sobre o que ocorreu. Se não ficar à vontade, fale sobre qualquer coisa e ria. Isso que ocorreu somente será um marco sombrio em sua vida se você permitir que o seja. Se não permitir, poderá ser um marco radiante, lembrado no futuro como o momento em que a amiga cheia de dúvidas e questionamentos os superou e seguiu em frente. E venceu.
Quarto, não baseie a sua felicidade no outro e jamais tenha desejos inalcançáveis. Buscar a própria felicidade em outra pessoa, assim como possuir desejos inalcançáveis, são práticas que costumeiramente produzem frustração e tristeza. A sua felicidade deve estar em você mesma e deve acompanhá-la por onde você for, onde você estiver. Ser feliz sozinha é indispensável, mesmo estando acompanhada. Desejos difíceis são possíveis, os inalcançáveis, jamais. Mesmo em relação aos difíceis, não force a barra. Tenha desejos bacanas, possíveis e alcançáveis. Persiga-os com os pés no chão.
Para finalizar esse testamento, minha querida amiga, tenha a certeza de que o tempo é um santo curativo. Brevemente você estará fazendo piada desse episódio. Nesse dia, essa dor, que hoje é tormento, será alegria e contentamento.

Encerro essa carta com um beijo e desejo de esperança. Porque esperança não é somente a última que morre, mas a primeira que nos salva.

2 comentários :

  1. Marcito,vc e um craque com as palavras. Sua 'amiga' da carta acima certamente estara muito reconfortada depois de le-lo. Adorei, principalmente pela sensibilidade em captar a alma feminina.Bj, DAISY

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  2. Obrigado, Daisoca, pela gentileza.
    Beijos.

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