sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A fé e a navalha do barbeiro


Tudo que fazemos na vida é porque temos fé. Isso se aplica a todas as pessoas, inclusive aos ateus e a Richard Dawkins. Não estou, claro, falando da fé religiosa, baseada na revelação. Refiro-me àquela convicção íntima que temos acerca da existência das coisas e de como ocorrem e se sucedem no tempo e no espaço.
Diariamente apostamos nossas próprias vidas nesse jogo da fé. Acreditamos, por exemplo, que podemos avançar, de forma segura, o sinal verde a sessenta quilômetros por hora ou mais e que nenhum doido irá ignorar o sinal que para ele está vermelho e nos abalroar. Pura fé.
Comparecemos a um salão onde nunca antes fomos e deixamos um completo estranho colocar uma navalha em nossas gargantas e acreditamos piamente que ele irá apenas nos fazer a barba. Crendice absoluta.
Entregamo-nos nas mãos de um cirurgião que irá nos cortar o abdômen e expor nossas entranhas porque, apesar de nunca o termos assistido realizando alguma cirurgia com sucesso, ele trabalha em um hospital e alguém nos disse que ele sabe fazer o que se propõe. Santa credulidade.
Os exemplos são infinitos. Praticamente tudo o que fazemos decorre da fé, inclusive os resultados de nossas reflexões.
Nós acreditamos, para citar outro exemplo, que existimos. Isso embora não exista método científico que consiga provar, de forma inequívoca, nossa existência ou da matéria. Os cientistas ainda buscam descobrir a partícula de Deus para explicar a matéria, enquanto os filósofos já nem dão grande valor à metafísica, cansados de especular sobre o imponderável. Por enquanto, nada.
Descartes, o filósofo, duvidando de tudo o mais, concluiu que a única coisa efetivamente provada é a existência da mente, não do corpo. Penso, logo existo. Sei não, até disso duvido. Vai que existe um deus com personalidade múltipla compartimentada e cada um de nós é uma manifestação dessas personalidades?
A verdade é que, sem fé, a vida seria impraticável. Percebemos a repetição das coisas que costumeiramente experimentamos e passamos a acreditar piamente que elas sempre se repetirão da mesma forma. Imagine se não fosse assim, como poderia um ser evoluir? Se um dia ele consegue produzir fogo de um certo jeito e, no dia seguinte, a mesma técnica produz água, como fixar a experiência? Como aprender sem a repetição dos efeitos decorrentes de determinadas causas?
Por isso, pela repetição, passamos a ter fé nos efeitos. E também a acreditar que nenhum barbeiro irá nos secionar a garganta.
É, portanto, a fé que possibilita a vida em sociedade. Porque precisamos acreditar na previsibilidade dos comportamentos.
Claro, de vez em quando um barbeiro efetivamente nos corta a garganta. Mas isso é outra história...

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