É
bastante interessante analisar alguns aspectos vinculados ao
desenrolar da História.
A
imensa maioria das pessoas do povo, na condição de meros figurantes
nesse palco, nem se dá conta de que participa da história viva que,
tempos depois, será narrada em livros para as futuras gerações.
Quando
se estuda a Revolução Francesa, por exemplo, pensa-se em seus
aspectos mais simbólicos, como a ascensão de uma nova forma de
pensar a sociedade, com mais liberdade, participação política do
cidadão comum e interesse pelos direitos do ser humano, e em como
esse simbolismo culminou por ser irradiado para todos os governos
ocidentais, com suas constituições garantindo, de uma forma ou de
outra, a igualdade, a fraternidade e a liberdade perseguida pelos
revolucionários franceses.
Pensar
a Revolução Francesa é evocar imagens da Bastilha e de Luiz XVI
guilhotinado, como símbolo da opressão derrubada, e de Bonaparte e
Robespierre como líderes da nova ordem instaurada.
Estudar
História é, principalmente, analisar os fatos que consideramos
relevantes na progressão da sociedade humana.
Fica,
porém, a curiosidade: como tudo isso foi visto pelos parisienses
comuns que levavam suas vidinhas entre 1780 e 1800? O seu dia-a-dia
foi impactado pelos acontecimentos de então ou seguiram cuidando das
próprias vidas, sem se importar muito com aqueles loucos segurando
foices e tochas? Levaram a sério o que ocorria, ou continuaram na
monotonia que nunca acaba, sem se dar muito conta de que estavam
diante de um dos maiores acontecimentos da história mundial?
É
muito provável que a maioria da população francesa nem tenha
piscado os olhos para os acontecimentos. Para essa maioria,
possivelmente tudo não passou de mais uma disputa política entre os
poderosos, sem grande significado em suas vidas, mais ou menos como
ocorreu aqui no Brasil, com o golpe militar de 1964, que mudou
completamente o nosso panorama político, sem contudo causar grandes
modificações na rotina das cidades.
Nasci
no início da década de 1960 e, assim, nada posso testemunhar sobre
a vida comum na década de 1960 pós-golpe. Todavia, a partir de
1979, 1980, adolescente com ativa participação política e com
consciência cidadã já desperta, pude verificar que poucos eram os
adultos que se importavam realmente com as questões políticas do
país. A maioria das pessoas considerava desimportante o fato de o
governo ser democrático ou autoritário, se podiam votar para
presidente ou não. Desejavam apenas levar suas vidinhas em paz, não
sendo relevante para esse objetivo se os ditadores militares se
sucediam em nosso trono do oeste central.
A
intenção aqui é meramente o de registrar o fato, sem natureza
crítica quanto a esse comportamento de indiferença. Há muito perdi
a ilusão de achar que sei a melhor forma de viver. No que concerne a
mim mesmo, entendo que a melhor forma de viver é buscar um equilíbrio entre o desejo de de obter felicidade individual e a necessidade de considerar o bem comum. Cada pessoa, contudo, deve perseguir um desenho próprio em
suas vidas, aquele que considere mais adequado para si, desde que
(sempre há um “desde que” em tudo) não produza interferência
indevida na vida alheia.
Provavelmente,
a mesma atitude complacente dos brasileiros do período ditatorial deve ter sido adotada pelos franceses
daquela época conturbada: prosseguiram em suas vidinhas pacatas,
arando os campos, semeando o trigo, ordenhando as vacas e bebendo o
seu vinho, sem dar muita trela para os malucos que marcharam em
direção à Bastilha. Certamente não se deram conta de que o mundo estava
mudando dramaticamente bem ali, diante dos seus olhos.
Assim
como os franceses da época da revolução, é possível que os
brasileiros de hoje não estejam percebendo o processo histórico de
mudança que está se desenrolando no Brasil e no mundo. As coisas
vão acontecendo, são noticiadas e o povo se acostuma a elas sem
dimensioná-las em seu valor e historicidade.
Na
década de 1980, durante minha adolescência, o Brasil era um país de importância absolutamente marginal em relação às grandes potências. Conscientes dessa desimportância cultural e civilizatória, o povo brasileiro sonhava
o sonho de uma outra nação, o sonho americano e seu "american
way of life".
Minha
geração sentia em seu peito um ardor indistinto de humilhação ao
testemunhar nas telas dos cinemas uma sociedade que levava uma vida
tão diferente da nossa e tão distante de nossas mais positivas
expectativas. Tudo parecia tão moderno e belo, tão dinâmico e
funcional, enfim, tão diferente daqui.
E
não somente no aspecto do consumo, a mais visível das diferenças
entre as nações brasileira e americana, mas em um modo de
experiência social que parecia qualificar o indivíduo, tanto pelo
seu valor intrínseco, como pelo mero pertencimento.
Não
considero e nunca considerei a sociedade americana um paradigma a ser
perseguido, mas na época o retrato da América produzido por
Hollywood era praticamente a única janela para o exterior à qual se
tinha acesso. E nas telas tudo parecia ser bem melhor que no Brasil.
Embora representando um diminuto papel histórico, idêntico ao da imensa maioria dos camponeses franceses do século XVIII ou dos brasileiros da época da ditadura, carrego comigo a percepção, ou intuição talvez, de que algo importante
está ocorrendo em nosso país e que poderá refletir no mundo.
O
Brasil está para apresentar ao planeta um modelo civilizatório
melhor do que aquele que apresentam os americanos. Em meu sonho
utópico, se nenhum empecilho for colocado no caminho que o país está trilhando, seremos em breve uma sociedade desenvolvida, moderna,
culturalmente diferenciada e muito mais plural e aberta do que a
sociedade americana e suas neuroses coletivas.
Os
fatos estão ocorrendo, ocultos atrás de notícias que se esforçam
em negá-los.
A
palavra final será dita pela História.
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