quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O cidadão comum e a História que passa diante dos olhos


É bastante interessante analisar alguns aspectos vinculados ao desenrolar da História.
A imensa maioria das pessoas do povo, na condição de meros figurantes nesse palco, nem se dá conta de que participa da história viva que, tempos depois, será narrada em livros para as futuras gerações.
Quando se estuda a Revolução Francesa, por exemplo, pensa-se em seus aspectos mais simbólicos, como a ascensão de uma nova forma de pensar a sociedade, com mais liberdade, participação política do cidadão comum e interesse pelos direitos do ser humano, e em como esse simbolismo culminou por ser irradiado para todos os governos ocidentais, com suas constituições garantindo, de uma forma ou de outra, a igualdade, a fraternidade e a liberdade perseguida pelos revolucionários franceses.

Pensar a Revolução Francesa é evocar imagens da Bastilha e de Luiz XVI guilhotinado, como símbolo da opressão derrubada, e de Bonaparte e Robespierre como líderes da nova ordem instaurada.
Estudar História é, principalmente, analisar os fatos que consideramos relevantes na progressão da sociedade humana.
Fica, porém, a curiosidade: como tudo isso foi visto pelos parisienses comuns que levavam suas vidinhas entre 1780 e 1800? O seu dia-a-dia foi impactado pelos acontecimentos de então ou seguiram cuidando das próprias vidas, sem se importar muito com aqueles loucos segurando foices e tochas? Levaram a sério o que ocorria, ou continuaram na monotonia que nunca acaba, sem se dar muito conta de que estavam diante de um dos maiores acontecimentos da história mundial?
É muito provável que a maioria da população francesa nem tenha piscado os olhos para os acontecimentos. Para essa maioria, possivelmente tudo não passou de mais uma disputa política entre os poderosos, sem grande significado em suas vidas, mais ou menos como ocorreu aqui no Brasil, com o golpe militar de 1964, que mudou completamente o nosso panorama político, sem contudo causar grandes modificações na rotina das cidades.
Nasci no início da década de 1960 e, assim, nada posso testemunhar sobre a vida comum na década de 1960 pós-golpe. Todavia, a partir de 1979, 1980, adolescente com ativa participação política e com consciência cidadã já desperta, pude verificar que poucos eram os adultos que se importavam realmente com as questões políticas do país. A maioria das pessoas considerava desimportante o fato de o governo ser democrático ou autoritário, se podiam votar para presidente ou não. Desejavam apenas levar suas vidinhas em paz, não sendo relevante para esse objetivo se os ditadores militares se sucediam em nosso trono do oeste central.
A intenção aqui é meramente o de registrar o fato, sem natureza crítica quanto a esse comportamento de indiferença. Há muito perdi a ilusão de achar que sei a melhor forma de viver. No que concerne a mim mesmo, entendo que a melhor forma de viver é buscar um equilíbrio entre o desejo de de obter felicidade individual e a necessidade de considerar o bem comum. Cada pessoa, contudo, deve perseguir um desenho próprio em suas vidas, aquele que considere mais adequado para si, desde que (sempre há um “desde que” em tudo) não produza interferência indevida na vida alheia.
Provavelmente, a mesma atitude complacente dos brasileiros do período ditatorial deve ter sido adotada pelos franceses daquela época conturbada: prosseguiram em suas vidinhas pacatas, arando os campos, semeando o trigo, ordenhando as vacas e bebendo o seu vinho, sem dar muita trela para os malucos que marcharam em direção à Bastilha. Certamente não se deram conta de que o mundo estava mudando dramaticamente bem ali, diante dos seus olhos.
Assim como os franceses da época da revolução, é possível que os brasileiros de hoje não estejam percebendo o processo histórico de mudança que está se desenrolando no Brasil e no mundo. As coisas vão acontecendo, são noticiadas e o povo se acostuma a elas sem dimensioná-las em seu valor e historicidade.
Na década de 1980, durante minha adolescência, o Brasil era um país de importância absolutamente marginal em relação às grandes potências. Conscientes dessa desimportância cultural e civilizatória, o povo brasileiro sonhava o sonho de uma outra nação, o sonho americano e seu "american way of life".
Minha geração sentia em seu peito um ardor indistinto de humilhação ao testemunhar nas telas dos cinemas uma sociedade que levava uma vida tão diferente da nossa e tão distante de nossas mais positivas expectativas. Tudo parecia tão moderno e belo, tão dinâmico e funcional, enfim, tão diferente daqui.
E não somente no aspecto do consumo, a mais visível das diferenças entre as nações brasileira e americana, mas em um modo de experiência social que parecia qualificar o indivíduo, tanto pelo seu valor intrínseco, como pelo mero pertencimento.
Não considero e nunca considerei a sociedade americana um paradigma a ser perseguido, mas na época o retrato da América produzido por Hollywood era praticamente a única janela para o exterior à qual se tinha acesso. E nas telas tudo parecia ser bem melhor que no Brasil.
Embora representando um diminuto papel histórico, idêntico ao da imensa maioria dos camponeses franceses do século XVIII ou dos brasileiros da época da ditadura, carrego comigo a percepção, ou intuição talvez, de que algo importante está ocorrendo em nosso país e que poderá refletir no mundo.
O Brasil está para apresentar ao planeta um modelo civilizatório melhor do que aquele que apresentam os americanos. Em meu sonho utópico, se nenhum empecilho for colocado no caminho que o país está trilhando, seremos em breve uma sociedade desenvolvida, moderna, culturalmente diferenciada e muito mais plural e aberta do que a sociedade americana e suas neuroses coletivas.
Os fatos estão ocorrendo, ocultos atrás de notícias que se esforçam em negá-los.

A palavra final será dita pela História.

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