sábado, 10 de outubro de 2015

A república dos parvos ou Por que a crise política não acaba?


Por que a crise política se eterniza, por que não acaba?
É a pergunta que me tenho feito insistentemente ante a percepção de que o Brasil, ao contrário do que tentam fazer crer, não se encontra em situação econômica pior do que a que já esteve na maior parte de sua história. Só acredita nisso quem tem menos de cinquenta anos e não vivenciou a crise que parecia infindável e que durou do início da década de 1960 até o final da década de 1990, portanto por cerca de quarenta anos. Até quando contava cerca de quarenta anos de idade, cheguei a acreditar que jamais viveria num país com uma certa estabilidade financeira e com uma boa oferta de trabalho e renda para sua população. Afinal, sou do tempo em que, praticamente em todas as ruas do Centro do Rio de Janeiro, da porta de cada prédio jorrava, como uma enorme língua, imensa fila de pessoas candidatando-se a uma mísera vaga de emprego. Fui parte dessas línguas em várias oportunidades e arrepiava-me a ideia de ter que retornar à saliva de uma delas.
É inegável a enorme contribuição de Itamar Franco, que tomou a si a responsabilidade de introduzir o Plano Real, e de Fernando Henrique Cardoso, que continuou a administração do plano após a saída de Itamar.
No rigor, contudo, a economia somente estabilizou de fato a partir do governo Lula, pois durante o governo FHC existiram crises muito piores do que a que atravessamos agora, crises essas que geraram ações governamentais duvidosas que quase puseram o plano Real a pique.
Muito ao contrário do que entende a opinião generalizada - principalmente a do ingênuo que se deixa capitanear pela grande imprensa -, a conjuntura econômica do país, durante os governos do PT, deve ser considerada melhor do que a média histórica. Isso se a perspectiva de análise for além da cegueira e da idiotia causadas pelo estreitamento de visão que acomete os que se arriscam no exame do objeto a partir apenas de seu desenho atual. Se observado um prazo mais elástico, digamos os últimos dez anos, irá se verificar que, no que toca ao setor produtivo, os bancos ganharam rios de dinheiro, os carros jorraram dos pátios dos fabricantes de veículos, a agroindústria bateu recorde atrás de recorde, shoppings pipocaram Brasil afora, a indústria naval renasceu e a engenharia civil ressuscitou dos mortos, tanto as de pequeno porte, como as de grandes obras de infraestrutura. Quem não for cego ou mal-intencionado, não poderá ter deixado de notar que as grandes cidades do Brasil viraram canteiros de obras, inclusive com reflexos ruins no trânsito.
No panorama social, o desemprego despencou, a renda média aumentou, os brasileiros nunca foram tanto ao exterior e é de conhecimento geral que os desfavorecidos, ainda que a situação não tenha atingido os níveis desejáveis, foram contemplados com um ganho adicional de riqueza inédito desde que Cabral avistou o Monte Pascoal. Ações como Mais Médicos, Caminhos da Escola, Minha Casa, Minha Vida, Prouni, multiplicação ao dobro das escolas técnicas, Fies e transposição do São Francisco, para ficar nesses exemplos, possuem potencial para modificar positivamente a vida de milhões de pessoas que se encontravam às margens da sociedade, esquecidos desde as capitanias hereditárias.
Para quem confia minimamente na ciência, as estatísticas estão aí, com seus números inquestionáveis. Quanto aos céticos, os que não acreditam em número algum, estes, se forem inteligentes, não irão aderir à grita, pois, se não podem acreditar, tampouco podem refutar, já que lhes falta evidência para contestar. Se aderirem cegamente ao linchamento... bom, então são apenas idiotas e, nesse caso, estão aptos a acreditar em qualquer coisa, inclusive no Saci Pererê e em Papai Noel.
Há um problema econômico atual? Há, claro, mas qual grande país do mundo que foi poupado? A Europa está em fragalhos, os EUA claudicam, o Japão está mergulhado em recessão há décadas. Cita-se a China como exemplo comparativo, negativo para o Brasil, de saúde econômica, com crescimento gigante de PIB. Compara-se pois laranja com abacaxi, um país com mais de bilhão de habitantes e que tem tudo a fazer, e por isso cresce fácil, com outro com população muito menor e estabilizada, e com desenvolvimento superior, o que provoca inevitavelmente taxas menores de crescimento. Além disso, tenho severas reservas em admitir o PIB como bom indicador de desenvolvimento. Não é, mas não cabe aqui alongar esse outro bom assunto, sobre o qual já escrevi alguma coisa aqui: (http://marciovalley.blogspot.com.br/2014/11/a-obsessao-pelo-crescimento-economico.html).

Então, indago novamente, por que a crise não acaba?
É um problema ético, de corrupção? Claro que não. Nem vou me dirigir a quem acredita que a corrupção é um problema do PT. Estes são descerebrados e, portanto, como faz piada Leandro Karnal, são felizes. Com esses não há diálogo possível. Porém, para aqueles que honestamente acreditam ser um problema de grau (ou seja, o PT é mais corrupto do que os demais), sabem eles que dificilmente isso poderia ser provado. Historicamente a corrupção é mantida em segredo, o que interessa a corruptores e corrompidos. É perfeitamente possível construir uma narrativa sólida sobre a corrupção muitas vezes superior dos governos tucanos. Aliás, isso já foi feito em pelo menos dois bons livros que estão no mercado. Seria, assim, apenas uma sensação subjetiva, fundada principalmente nas "denúncias" dos jornais. E o outro lado dessa moeda? A absolutamente inusual publicidade dos supostos escândalos e o aumento fantástico do número de ações da Polícia Federal não deveriam sinalizar, pelo contrário, um republicanismo maior dos governos do PT? Não faz ao menos pensar o comparativo amplamente favorável ao PT, que não usou a caneta das nomeações, como poderia e como sempre foi feito, para impedir o perfeito funcionamento das instituições? Não poderiam ter sido escolhidos Procuradores Gerais da República mais próximos do projeto petista? Claro que sim. FHC fez isso e foi recompensado com zero processos com andamento pelo então Engavetador Geral da República, Geraldo Brindeiro.
Se, de forma honesta, não se pode dizer que o problema é econômico ou ético, por que cargas d'água a crise ganha ares de infinita?
Creio que a resposta encontra-se na intercessão de cinco elementos distintos que agem de forma semi-independente, porém sempre harmônica : (a) interesse político da oposição, (b) interesse econômico das empresas de mídia, (c) interesses escusos de determinados agentes públicos, (d) oportunismo e falta de sensibilidade social das classes média e rica e (e) a mais pura e simples ignorância.
O interesse político da oposição
O interesse político da oposição é óbvio, pois todo partido deseja o poder e pretende nele se perpetuar. Claro, dizem que isso é coisa só do PT e convenientemente "esquecem" de discutir o exemplo do PSDB de São Paulo. Contudo, ante sua total incapacidade de criar um projeto alternativo ao do PT, o que resta é aderir ao projeto "crise infinita".
Embora parte substancial da população não se sinta representada pelo PT, direito político inalienável e democrático do cidadão de se opôr ao governo, o fato é que tampouco se sentem confortáveis com os representantes da oposição. A parcela do povo mais ética e possuidora de caráter, e que gostaria de ver a derrota do PT numa eleição presidencial, possui um quê de vergonha e constrangimento de depositar seu voto num representante do PSDB, partido historicamente envolvido em notícias de escândalos tantas quantas o PT, não somente durante o período no qual governou o Brasil, como nos governos estaduais a que chegou, como São Paulo, Minas e Paraná. São pessoas que certamente não vêem sentido algum em tirar um partido que entendem como corrupto e colocar em seu lugar outro com igual pecha ou pior. Por outro lado, tem ciência de que o voto de protesto em partidos inexpressivos é válido, mas ineficaz e perigoso, correndo-se o risco de permitir a ascensão de algo mais daninho.
Uma aventureira, como Marina Silva, seria a perfeita receptora dos votos dos descontentes, não tivesse deixado passar a imagem de pessoa que persegue o poder a qualquer custo, inclusive com partidos políticos de reputação duvidosa. Ressoa como alpinista política, portanto. Não é que o PT assim também não proceda, inclusive admitindo alianças um tanto inescrupulosas, como Maluf em São Paulo. O problema é que Marina, ao realizar tais alianças, se iguala, na visão dos insatisfeitos, ao padrão ético desse modelo de política viciada do país. Além disso, o programa econômico apresentado por Marina na última eleição conseguiu superar e piorar, em muito, o projeto econômico tucano, produzindo um programa que era um pesadelo ainda pior em termos de ultraliberalismo econômico. Não houve pudor em declamar com um sorriso nos lábios que, em nome do bem-estar do meio-ambiente, produtos como carne, avião, carro e turismo deveriam ser muito caros, coisa reservada somente a ricos. E colocou a cereja no bolo do descaso com os pobres ao afirmar que o salário mínimo estava muito alto. Só faltou mesmo dizer que o governo marineiro iria acabar com o programa bolsa-família, coisa que, entretanto, ficou entendido nas entrelinhas. Digo “governo marineiro” por ser impossível identificá-la a qualquer partido. Se a Rede lhe negar a candidatura a presidente, tenho poucas dúvidas de que ela fundará outro partido, talvez o Teia, o Tarrafa ou quem sabe o Ecossocial, que já ficam aqui como sugestões à Marina.
Essa oposição absolutamente incompetente, tendo concluído, sabiamente diga-se, que suas chances de chegar ao poder pelo voto eram bastante reduzidas, apegou-se ao projeto do golpe judiciário, antes somente realizado em pequenas republiquetas. A oposição, como se vê, além de incompetente não possui pudor algum em expor o Brasil a essa vergonha anti-democrática.
Por outro lado, como a oposição é liderada, fundamentalmente, por pessoas muito ricas, donas de grandes empresas, grandes propriedades ou grandes igrejas (tolos daqueles que pensam que as igrejas pertencem a Deus ou aos fieis), possuem uma vasta rede capilarizada de transmissão de influência política. A oposição é amiga das famílias donas dos grandes jornais, das grandes redes de tevê e das grandes editoras publicadoras de revistas semanais. É praticamente uma só família. Na verdade, os políticos da oposição muitas vezes pertencem a essas famílias donas de meios de comunicação. E os favores podem ser trocados nessa grande rede de amizade, família e interesses comuns. E por isso passo ao ponto seguinte.
O interesse econômico das empresas de mídia
O fato de que presenciamos, sem dúvida alguma, à maior perseguição midiática que um governo já sofreu nesse país está cabalmente evidenciado nos gráficos do Manchetômetro. Para quem está chegando da Lua, o Manchetômetro é um projeto acadêmico da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, sem vinculação com empresas ou partidos.
O Manchetômetro comprova que FHC, durante os oito anos de seu governo, com crise econômica muito pior do que a dos governos petistas, foi poupado pela grande imprensa. Para quem duvida, os links estão aqui (http://www.viomundo.com.br/denuncias/manchetometro-fez-ombudsman-engasgar-folha-bajulava-fhc-quando-os-dados-da-economia-eram-piores-que-agora.html) e aqui (http://www.manchetometro.com.br/analises-1998/analises98-jornais/).
Novamente relembro que existem os céticos, que não aceitam nenhum número estatístico ou estudo acadêmico favorável ao governo, nem se compadecem pela inexistência de números desfavoráveis. Como já assinalado, acreditam em Saci Pererê. Os céticos, porém, nesse caso, não precisam acreditar na ciência, pois, a condição de oposição ao governo do PT foi declarada e publicamente assumida em 2010, pela então presidente da Associação Nacional de Jornais - ANJ, Sra. Maria Judith Brito. Quem deixar de acreditar conjuntamente no Manchetômetro e na condição de oposição assumida pela presidente da associação midiática, perde de imediato a alta qualidade de cético e assume uma de valor acentuadamente mais baixo, a de parvo.
Desde que é assumidamente de oposição a um determinado partido, evidentemente a imprensa perde a imparcialidade e, com ela, a credibilidade em relação a esse mesmo partido. Não é comum ao ser humano tecer elogios ao inimigo. Manchetes produzidas pelos jornais de oposição não irão elogiar o partido que querem derrubar por bem ou por mal. Confirma-se o que a análise acadêmica do Manchetômetro demonstrou.
Então, por que perseguem o PT?
Trata-se, tanto de interesse econômico das grandes empresas de mídia, como de puro e simples rancor e mágoa por ver um trabalhador comum, conduzido por um partido dos trabalhadores que iniciou de pires na mão, chegar ao poder máximo da máquina administrativa nacional.
Rancor e mágoa porque, primeiro, os doutores por formação ou por riqueza (o Brasil é possivelmente o país que mais possui “dotôres” sem doutorado), que são os novos senhores de engenho, não aceitam ser governados por um inferior social e cultural, egresso de uma senzala da caatinga. Segundo, são pessoas que integram a elite do país, estando assim sujeitos aos mesmos temores que assolam as classes média e rica, como se verá em tópico adiante.
Quanto aos interesses econômicos, a rivalidade mídia x PT começa com a desculpa de retaliação à redistribuição da verba federal de publicidade, realizada no primeiro governo Lula, que democratizou o acesso às pequenas empresas de mídia, como rádios, televisões, jornais e revistas regionais. Assim, o anseio da grande imprensa é pelo retorno de um partido mais palatável aos seus apetites. Se o PT é o alvo da oposição da mídia, há pouca dúvida de que o PSDB seja o partido querido por essa empresa e que deseja ver eternamente na situação, o que já ocorre em São Paulo, sem manchetes desagradáveis mesmo quando enfrenta a maior crise hídrica da história do país e, por isso mesmo, está à beira de uma catástrofe sem paralelos no que concerne às grandes metrópoles do mundo.
Penso, porém, que se isso pode ser considerado o motivo absolutamente relevante, considero que a realidade vai um pouco além. Tem isso também, mas tem mais.
A grande imprensa brasileira, em especial as Organizações Globo, sempre estiveram no polo contrário aos anseios populares. Em seu apoio antipopular mais horrendo, os grandes jornais do Brasil foram cúmplices dos militares no golpe que aboliu a democracia no país por mais de vinte anos. Alguns, como a Globo, pediram desculpas depois de cinquenta anos, quando meras desculpas, de fato, não servem para nada.
Líderes populares, como Lula ou Brizola, foram reiteradamente hostilizados pela poderosa platinada. As alianças econômicas dessas empresas jornalísticas com seus parceiros internacionais podem estar no fundo dessa opção antipovo e traduz-se na simples constatação de que o que interessa ao povo não interessa aos grandes financistas mundiais, do porte de um Soros, muitos dos quais possuem interesses afins com as grandes empresas de informação do país.
Especificamente em relação à Globo, há um outro elemento de peso a considerar: logo em seguida ao governo do PT, em virtude de transações financeiras ilícitas decorrentes da Copa de 2002, sofreu ela uma investigação fiscal que resultou numa multa de mais de um bilhão de reais, em valores atualizados até 2009. O processo fiscal é todo nebuloso, com uma servidora da Receita sumindo com os autos, sendo presa e recebendo um habeas corpus do sempre-sempre Gilmar Mendes. O fato é que se trata, muito provavelmente, de algo inédito na história da empresa. Talvez algo que mereça uma bem merecida vingança da bolota prateada.
A poderosíssima Globo, como alinhavado parágrafos atrás, possui diversas afiliadas cujos donos são deputados federais ou senadores da República, além de relações com os donos das outras grandes empresas de mídia e de outros ramos. Além de sua força midiática, pois, possui influência política e financeira.
Tal força gigantesca implica necessariamente capacidade de impor um certo temor reverencial de agentes públicos mais fracos de caráter e de atrair a simpatia de outros, com menos escrúpulos, que se vendem pela vontade de manter relação positiva com essa força ou pela mera vaidade da fama transitória, que trocam em desfavor da própria biografia.
É o que veremos a seguir.
Interesses escusos de determinados agentes públicos
A imprensa assumidamente de oposição se tornou pródiga, nesse propósito oposicionista, em criar heróis e vingadores públicos, homens noticiados como de honradez à toda prova que, com sacrifício pessoal e sem temer pelas próprias integridade física e vida, realizam o bom combate de atacar a corrupção do PT.
Curiosamente, são homens públicos que somente se lançam ou lançaram contra o PT e alguns partidos de apoio ao governo. Para esse homens públicos, não há, aparentemente, corrupção em nenhum partido de oposição, principalmente o PSDB. Atitude que, sem assombro algum, reflete exatamente a posição declarada pela presidente da Associação Nacional de Jornais. Nenhum desses paladinos se interessou pelo livro do premiadíssimo jornalista Amaury Ribeiro Junior, Privataria Tucana, embora repleto de denúncias acompanhadas das respectivas provas. Para o PT, basta a denúncia de um estelionatário sem qualquer prova para que seja acionada inclemente a máquina midiático-jurídica, como aconteceu naquele caso do suposto "empresário" de Campinas. O mensalão dos tucanos certamente irá prescrever, embora anterior ao do PT. O trensalão de São Paulo não dá em nada. E por aí vai.
Aparentemente, não são vigilantes da moral e da ética, como são apregoados, mas paladinos contra a ignorância do povo, que não sabe votar e cometeu a insensatez de permitir que o PT permanecesse tanto tempo no poder.
Como ocorre com quase todos os hipócritas ao redor do mundo, alguns são incensados pela imprensa num dia e, no seguinte, são presos por ligações com o crime organizado ou são acusados pelas mesmas práticas que condenavam em discursos ou sentenças veementes contra o PT. Nesses casos, as manchetes são inexistentes ou nitidamente menores e duram menos tempo.
Outros, mais espertos, logo após sair dos holofotes, se aposentam ou se escondem, antes que se propaguem notícias constrangedoras sobre imóveis comprados de forma suspeita em paraísos longínquos ou sobre ligações de um ou outro filho com um desses órgãos de imprensa que se orgulham de ser oposição.
Alguns são ainda mais cara-de-pau, ou providos de gigantesco senso da própria impunidade, e, de suas cadeiras de magistrados da nação, não hesitam em utilizar a condição de homem público e à salvo das penas da lei, para realizar política partidária ao proferir discursos inflamados contra o PT, até em julgamentos que nada tem a ver com esse partido, mas com o avanço da democracia. Enquanto isso, por trás das cortinas da peça que encenam para uma plateia naif, realizam contratos de prestação de serviços milionários com órgãos públicos sem licitação. Magistrados, principalmente de tribunais superiores, em países um pouco mais avançados em matéria de cidadania, se dão o devido respeito e agem com mais recato, o que é mais próprio de um juiz. Novamente, não há pudor em tornar o país alvo de chacotas mundo afora.
Outros não vêem problema ético algum em utilizar práticas medievais, como prisão por tempo indeterminado, para obter confissões contra o PT, o que foi reconhecido e criticado pelo Ministro do STF, Teori Zavascki, ou silenciar diante de vazamentos seletivos de processos que estão sob sua direção ou de escutas clandestinas ilegais praticadas pela Polícia Federal. Vale tudo nessa guerra contra o PT. Os fins justificam os meios, como já sabiam os bárbaros de séculos atrás. Tampouco vislumbram problemas de consciência por ocultar os nomes de tucanos que vão aparecendo nos depoimentos. Pode ser que seja inclusive casado com alguém que possua ligações com o PSDB, mas isso não gera qualquer suspeição.
Aliás, chacota está se tornando rotina na prática pública. Novamente se repete nessa farsa de julgamento de contas realizada pelo Tribunal de Contas da União, na qual um relator suspeito de corrupção reprova as contas em julgamento antecipado na imprensa e, alertado o tribunal sobre essa flagrante ilegalidade, se enchem de pruridos os demais membros da Corte e, numa demonstração do mais pernicioso e vil corporativismo, levam apenas dezenove minutos para reprovar as contas lançadas em milhares de volumes, que representam um orçamento de mais um trilhão de reais. Celeridade processual e capacidade de síntese é isso aí. O tal do relator, suspeito de corrupção, depois do resultado do julgamento celebra “um dia histórico no país”. Acho mais honesto o famoso bordão de um dos personagens mais pilantras do saudoso Chico Anísio: “Eu sou, mas quem não é?”
Mas estes agentes públicos, embora agentes públicos, em geral também são ricos, assim como os donos das empresas jornalísticas e os líderes da oposição, o que atrai a interpretação do tópico seguinte.
Oportunismo e falta de sensibilidade social das classes média e rica
Após a ascensão do PT, revelam-se traços sociológicos até então velados e grotescos da natureza de grande parte das pessoas que integram as classes média e rica do Brasil: a insensibilidade social, o elitismo e a mesquinhez.
Somos um país historicamente classicista e dominado pela hierarquia, na qual a classe dos homens bons (leia-se, ricos) admite, no máximo, adotar uma posição de magnanimidade em relação aos que vêm abaixo, jamais a de conceder liberdade e autodeterminação. Com essa historicidade, é fácil compreender, embora sem com isso justificar, pessoas da classe média, mesmo as da chamada classe média baixa, que se posicionam contra a valorização do salário-mínimo e contra o bolsa-família e, via de consequência, contra o PT.
E é exatamente nessa ordem que nasce o antipetismo mais radical e violento: a revolta contra o ganho de renda da parcela mais desfavorecida da sociedade precede o ódio ensandecido contra o PT.
De fato, em seu início o governo Lula não recebia tantos ataques, tendo parcela percentual de aceitação superior ao número de votos recebidos, prova de que pessoas que não votaram nele passaram a respeitar seu governo. No entanto, a partir da gradual ascensão da renda, que retirou milhões da miséria e os alçou à condição de pobres, mas com possibilidade de viver com alguma dignidade, as coisas começaram a mudar.
Quanto mais direitos são concedidos aos pobres, mais o ódio antipetista cresce, num ambiente em que pessoas bem formadas são capazes de dizer que o governo não existe para ajudar pobres. Que todos possuem a obrigação de crescer por conta própria, uma declaração meritocrática que parte do princípio de que todos possuem pontos de partida idênticos, o que absolutamente não é verdadeiro. O filho de um miserável da caatinga não possui as mesmas oportunidades que o filho do favelado, que não possui as mesmas que o filho da classe média, que não possui as mesmas que o filho do rico. Declaração que violenta a própria noção dos objetivos de formação da sociedade humana desde o Contrato Social de Rousseau e a carta dos direitos humanos que veio consagrar esses objetivos.
Tal discurso não existe nem mesmo nos pensadores mais prestigiados daquilo que se possa entender por direita, os quais concordam que a questão da pobreza é uma questão de dignidade humana e, sendo assim, uma questão a ser solvida pelo Estado, divergindo dos de esquerda apenas quanto ao método para atingir esse ideal de redução das desigualdades (o famoso “crescer o bolo para depois dividi-lo” de Delfim Neto).

São capazes de defender, ainda, que os pobres beneficiados pelo bolsa-família não tenham direito a voto, um horror anti-democrático e elitista que sequer merece refutação mais aprofundada, dado o baixo nível da argumentação, se é possível denominá-la assim.
Essa a razão primeira do fundamentalismo antipetista: o ódio elitista contra a ascensão do pobre. Afinal, um projeto trabalhista, se bem sucedido, valorizará o trabalhador, com a consequente oneração das folhas. Não é que não possam pagar maiores salários aos seus serviçais: não querem pagar.
Tradicionalmente as classes mais abastadas do país não gostam de ver o pobre vestindo sapatos. Isso desqualifica, ainda que muito pouco, a ostentação da própria riqueza. Fica-se menos especial, e o orgulho reduz um pouco, quando se é obrigado a sentar no avião, ao lado do desfavorecido que, ainda por cima, em que mundo estamos, tem uma mala Louis Vuitton falsificada igualzinha à minha.
E há ainda na boca um travo de amargura e inveja: como é possível que eu, branco, rico, culto, poderoso e, quiçá, bonito e heterossexual, seja presidido por esse nordestino inculto que mal coloca os “esses” no plural? E representado por esse partido vindo das malocas dos operários? Que mundo de ponta-cabeça é esse em que um bem-nascido da casa grande deva obediência ao pé-sujo da senzala? E depois, pasmem, segue-se essa mulher mal-ajambrada, de pouca vaidade, que não tem marido, não participava de política partidária e, por isso mesmo, discursa com insegurança?
A mesquinhez se agrava pela constatação de que, afinal, o que o pobre passou a receber ainda está longe daquilo que o valor da dignidade humana indica que merece pelo simples fato de ser humano. O bolsa-família individual é de pouco mais de setenta reais. A filha solteira de algumas carreiras públicas recebe polpuda pensão pelo resto da vida sem jamais colocar os pés numa repartição pública, senão para reclamar algum direito. A juízes é facultado se ausentar do serviços por anos, recebendo salário, para a realização de um mestrado ou de um doutorado. Fala-se aqui de mais vinte mil reais por mês para cada um. Ricos notoriamente pagam quase nenhum imposto de renda, o que produz sobrecarga nos impostos indiretos como compensação, gerando acréscimos em todos os produtos que compramos, do arroz ao carro zero. Contra isso, nenhuma passeata, nenhum corrente de indignação na rede social, pois isso ocorre com os homens bons. São gente da nossa gente. São da casa-grande.
Entretanto, contra setenta reais para cada pobre, contra um salário mínimo de duzentos dólares para o trabalhador, essa grita insana.
O extravasamento dessa maldade - pois não se pode classificar de outra forma, isso é sinal claro do mal banal que habita no ser humano, do qual nos fala Hanna Arendt, e que, dadas as condições ideais, produz coisas indizíveis como o nazismo - que antes se escondia nos recônditos de cada alma, demonstra que Marilena Chauí estava correta quando afirmou, em declaração memorável, que “a classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante”.
E por falar em ignorância, passo ao último tópico.
A mais pura e simples ignorância
Esse tópico se encerra em sua própria epígrafe.
De fato, a ignorância fala por si mesma na justificativa dos equívocos cometidos. É ela a própria causa do ato de atirar no próprio pé. A ignorância é uma prisão sem paredes, sem grades, sem cadeados. O ignorante é convencido a se manter preso, no mesmo local, embora possa dali sair quando quiser. O problema é que ele não sabe disso.
No caso da escandalização da política, o ignorante é constituído em massa de manobra, sendo tocado, tal gado, hipnotizado pelo berrante das manchetes desonestas da grande imprensa comprometida com seus próprios e escusos interesses. O ignorante não é capaz de responder de forma crítica aos fatos e informações despejados em cascata pelos meios de informação. Ele lê, ou ouve, e sacraliza a escrita ou a voz do apresentador, não lhe sendo possível acreditar que aquela gente rica, bem educada e bonita iria mentir ou distorcer a verdade.
Como afirmou Sérgio Buarque de Holanda, em nossa sociedade autoritária e hierárquica, a obediência é a contrapartida lógica do ato de mandar. Os mais desfavorecidos, mantidos na ignorância por conta de uma inação histórica do Estado brasileiro, inação essa proposital, foi bem adestrado a tomar o seu lugar nessa cadeia de comando e aprendeu a gostar de obedecer. Síndrome de Estocolmo, provavelmente.
Os ignorantes, embora partícipes desse processo de radicalização política que certamente possui o objetivo de os prejudicar, são inocentes, são vítimas. Merecem ser perdoados.
Tenho, porém, uma distinção a produzir. Há o ignorante sem acesso a qualquer orientação distinta daquela que lhe ensinou a balançar a cabeça bovinamente e há o ignorante que, por alguma sorte, obteve esse acesso. Esse último, após ser orientado e persistindo no intento de atirar contra o próprio pé, deixa, por definição, de ser ignorante, pois recebeu o conhecimento, passando à categoria acima indicada, de parvo ou idiota. Categoria que, aliás, tem recebido muitas e muitas adesões, sendo provavelmente a maior parcela do antipetismo atual, já que persistem em sua cegueira apesar de a blogosfera vir sistematicamente denunciando o comportamento pouco ético da imprensa e de alguns órgãos e pessoas públicas na tentativa de manipulação do processo democrático.

Caminhamos, assim, para nos transformarmos numa república de parvos, cavando um buraco em direção ao próprio inferno.

3 comentários :

  1. Parabéns, pelo texto genial, muito bom e esclarecedor. Tem meu apoio integral. O texto de excelente qualidade e de um raciocínio simples e coerente.

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    1. Obrigado, Armando, por prestigiar o blog e pelo elogio. Abraços.

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  2. Grandiosa postagem, muita esclarecedora. Texto extremamente coerente.

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